À la carte para o leitor
(
A poesia tornou-se performance,
um duelo sem muitos direitos:
a última do Lácio não é mais flor.
Sobre o pavimento da folha
(este pedaço de todas as interrogações),
o único expediente
é recuperar a palavra
dispersa na mídia hansênica.
Acima do discurso tísico
deste milênio que estreia,
fazer poesia
é inventar a carne.
Antes que se faça cinza a quarta-feira;
que o batuque se recolha ao silêncio,
transitório e quaresmal;
que o colorido das fantasias se tolde
no fosco ecumênico de todo dia,
quiçá essa inquietação acabe e me dê
a sensação de haurir o que é preciso:
a semana, o mês, o ano prossegue estritamente,
e o cansaço já me veste em seus trajes frouxos.
Forasteiro desde sempre a todo esse folguedo,
vezes sem conta eu me (im)pus a máscara foliona:
mas o molejo é faltante, a malemolência falha,
e logo se percebe que tenho mais raízes que pés.
A gandaia se me faz pelos olhos de espectador,
o espocar imponderado dos tambores
surgindo como um susto à solta no peito,
meu admirar-me acriançado diante da veemência
corpórea dos passistas que se doam à polirritmia.
E Momo, esse se ri de minhas arlequinadas.
Sua voz imerge em mim
no seu escafandro de som,
mergulhando
para além
de meus arrecifes
à tona,
das minhas marés revoltas.
Rumor
na arrebentação da onda,
sua voz
é preamar
vociferando
nos calcanhares da praia,
umedecendo de vagas fartas
o atol da orelha.
Sua voz é Jonas
e faz
dos meus ouvidos
sua baleia.
As pedras escorregadiças,
lustradas por anos de conflito.
Aguerridas, iludem o tempo
enfrentando-o de frente,
minério contra o vento,
contra a chuva,
expondo todos os achaques
e tormentas que esfolam
cada aresta com um toque
não muito distinto do de um Michelangelo.
Ainda assim, o ar
é teimoso em sua insistência:
quer assinalar as pedras
com a rubrica do envelhecimento,
como um encarcerado
que decompõe a idade que lhe resta
em linhas e traços. Quando o sol
começa sua descida lenta,
ornando o ar de ouro e cinabre,
as pedras recortam a paisagem,
severas e estoicas, sem saber
que somos nós
os interinos no crepúsculo.
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