quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
Identidade,
Impermanência,
Singularidade
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Segunda pele
O tempo se dobrou
e não dei importância
ao primeiro vinco.
Acreditava que o passar
de meus dedos
pudessem suavizá-lo de vez.
As rugas, hoje,
fazem parte do sorriso.
Escrito por
Fabrício César Franco
Hábito,
nossa magra porção de coisas
que se sucedem,
divindade de tudo o que é
monótono à nossa cognição
e que labuta na previsibilidade
dos fatos reiterados.
Quando eu abro o zíper
da manhã num vão de porta
entreaberta ao primeiro sol, eis
: rarefeito como sempre.
E eis na correspondência –
as contas habituais
e uma carta de minha mãe,
lida na ligeireza e propósito
de uma saudade que se atropela
na digestão precoce de um meio-dia.
Eis ainda
na conversa à deriva dos lábios
(essa parede delgada
e impermeável
que nos atravanca a prosa),
que nos aproxima
e nos distancia
no supermercado,
na parada de ônibus,
nos portões da escola,
onde confundimos
convivência com amizade.
Hábito,
nosso pequeno nume dos intervalos
entre desastres e deslumbres,
que nos concede o fausto de sua praxe,
o pouco
com que nós aprendemos a contar,
nós o louvamos
à repetição:
por todos estarem em casa para o jantar,
pelo status quo,
pela lua que regressa
como uma segunda chance
depois da chuva,
por essas últimas horas antes do sono,
quando recontamos o dia
um para o outro,
e pegamos o livro já lido
inúmeras vezes,
cada vez tão familiar
e tão inexplicavelmente
outra
e original.
Escrito por
Fabrício César Franco
Ruínas de um dia. Todas as alternativas
do apartamento já gastas de tanto uso:
...você que não telefona. E eu plantado
em esperas. Com uma angústia azedando
nos olhos. Com um coração extraviado,
Tordesilhas do outro lado da cidade.
O motor, o pneu, o trânsito? Uma
pluralidade de desculpas tripula sua
ausência. Por que você não me liga?
Escrito por
Fabrício César Franco
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Escritura,
Identidade
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Ossos do ofício (ou o porquê de escrever)
Não há indicações de frases
em lugar algum,
nenhuma senha,
nenhuma passagem
a outros lugares onde
a linguagem se faz
presente. Contudo
sou simplesmente
uma pessoa
matizada de palavras.
Tudo há
de ser possível no escrito.
E as palavras carecem
de ser despertas de seu sono de dicionários.
Escrito por
Fabrício César Franco
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Elucubração,
Impostura,
Inquietude,
Quizília
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Involução do espécime
Você,
que transforma a angústia
em saudável perspicácia e defende tudo
o que compreende em palavras:
sua condenação virá pela língua,
na erosão lenta mas indiscutível
que dimana de cada decepção.
Você,
que consome informações
em crescente desgosto, sem ao menos
ter a percepção de como tempo devora
só os desamparados e se dá a si mesmo
seus próprios mandamentos –
[não sou -fóbico ou -ista (insira aqui seu prefixo), mas...]:
atente para o momento em que não fizer sentido
a natureza das coisas crispadas em seu íntimo.
Não é preciso se apressar, nem jogar fora
a verdade mais persistente:
“amai-vos uns aos outros”,
“somos todos iguais perante a Lei”.
Só se lembre bem de como era a vida antes:
obscurantismo, ignorância, medo
da escuridão como devorador de gentes,
o trovão que era reprimenda dos deuses,
um panteão inteiro a idolatrar em sacrifício.
Diga-me então como você é capaz
de chegar a este ponto, para trancar
as portas da história e não se reconhecer
no seu povo – os outros! – e como
desaprendeu as lições.
Escrito por
Fabrício César Franco
terça-feira, 5 de maio de 2015
Elucubração,
Inquietude,
Logomaquia,
Melancolia
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Gnomas acerca da aflição
Ainda é cedo,
mas o dia já está perdido em tédio,
fadiga e desgosto.
À laia dos conjurados,
inquirimos o inexequível
: algo que dilua a angústia.
Cerceamos letalmente a vida
ao exigir extrair deleites de tudo
o que nos cerca –
a comida deve ser orgástica;
o amor, arrebatador;
a arte, intensa.
Incutimos até num pedaço de pão
a obrigação de nos inundar de prazer.
Mercadejamos nossa felicidade
numa pletora de transações,
produtos de que nunca necessitaremos.
E, entretanto, a alegria não virá
dentro das sacolas de compras.
Os tratados da agonia,
com todo o peso de uma Alexandria queimada,
dizem que a alegria não é um estado de ser.
É uma ação,
é verbo e não um substantivo.
Inexiste involuntariamente de nossos atos.
Fugaz e transitória,
porque nunca se destinou a ser duradoura,
ela é o que nós fazemos.
Alegria é pagã, incoerente,
matizada de sensualidade e melancolia.
Não é o contraponto da aflição.
Esta é mais antiga, clássica, mal intrínseco
de que padecemos, a que nenhum medicamento
pode remediar, pois que não
proveniente de qualquer flagelo físico.
Como a barca do inferno, não poupa ninguém,
somos todos iguais perante a aflição.
Não existe lenitivo milagroso
para nossa consternação.
Ser humano é ser aflito.
Escrito por
Fabrício César Franco
Às folhas tantas
do esboço, a palavra
acontece.
(Sem mais delongas,
sem nem saber
se te enfara
ou te apraz,
ela se instala).
Em súplica,
feito úlcera,
dói na página.
À deriva
nessa espuma de frases,
meu tempo é assim
consumido
numa caligrafia perplexa
no branco,
a escavar
abismos na fina
superfície da folha,
em busca do bálsamo
que vai
aliviar a agonia
daquela única
palavra.
Escrito por
Fabrício César Franco
)
O que há entre o nirvana e o nihil?
(
De tudo sobrou
trinta segundos de vídeo:
um ramalhete de flores
e as mãos dadas
em dimensão de lente.
Uma imagem vivaz,
uma forma de exultação,
uma figuração de prosperidade.
Achávamos que o futuro era
confiadamente nosso, um fato
consumado, dogma, uma verdade
absoluta. Só que, vezes sem conta,
o verdadeiro não é verossímil.
Por mais funda,
mais alcança esta certeza:
quem espera, corteja
a frustração das coisas
que jamais se realizam.
E naquele mísero meio minuto,
toda a fulguração de uma vida a dois,
quizílias e consonâncias.
Agora, há apenas uma rosa,
tardia e murcha
: os felizes estão no vídeo.
Escrito por
Fabrício César Franco
odisseia pela topografia
de meus poros, minha tez
de pergaminho. Vagueiam,
em romaria, pelas subidas
e depressões das cordilheiras
em minhas costelas, cumes de ossos,
decodificando os inchaços
e ondulações da epiderme
como se fossem Braille.
Estes entalhes na textura
de dobras e vincos
são as chancelas que o tempo me deu,
breviário cunhado
em escrituras de cicatrizes.
Seu afago cigano palmilha
o adobe exausto da minha pele,
carta geográfica despida de invólucros,
e me torna um frêmito de expectativas,
Kundalini
a percorrer a espinha.
Escrito por
Fabrício César Franco
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