O tempo tem câimbras.
A noite se acomoda
como um corpo num banho,
exalando nuvens e luzes de carro
- tossindo pássaros.
A escuridão, como um abraço,
senta-se comigo e preenche o quarto
com esse estranho cio de silêncios,
onde as coisas são perdidas:
tardes de feriado,
o som de um velho vinil,
fotos desbotadas,
amigos de infância.
A lembrança se esfiapa em todas as direções,
como se eu estivesse guardando o mar
em alguidares de areia.
Tudo é líquido
e sem margens.
E o que a memória traz é um destilado:
construto de espelho e sombra,
um antilume íntimo
eclipsando esse momento sem nome.
Sou causa deste efeito,
tropegamente humano.
À hora em que não há socorro,
quem não consegue arcar
com o quotidiano ríspido
há que se asilar
no passado impregnado na pele.