segunda-feira, 3 de março de 2025 12 comentários

Das águas que sabem de março


Fui hipnotizado pelas ondas
de um olhar
implacavelmente azul.

E na força das águas,
                            aportei

onde os olhos sabem suas lágrimas:

             enseadas lentas,
                            praias desertas e cais
             abandonados
em noites de recuerdos ao luar.

Súbito,

ventou um silêncio de brisa
                            e sem demora

                   : águas passadas,
                            sem ressaca.


domingo, 2 de fevereiro de 2025 12 comentários

Atendimento telefônico


Aperte 1 para a impaciência com o menosprezo
dos atendentes de todos os serviços telefônicos,
sua falta de preparo ao lidar com pessoas,
sua ineficiência cava, ensinada e repetida,
como se isso fosse um trato profissional requerido.


Aperte 2, 3, para a renúncia do seu tempo, 
que se esvanece em sinfonias inanes de saxofone,
música de elevador, transformando tudo num ruído
oco, sem sentido, até você perder o propósito:
para quem estou ligando mesmo?


Aperte 4, 5, 6 para insatisfação garantida,
de ficar perdido diante de tantas opções de discagem,
como defronte a um menu indigesto,
cuja comida nunca mata a sua fome,
cujo sabor só promete a náusea vindoura.


Aperte 7, 8, 9 para a vontade de esganar
o atendente, o supervisor, o chefe de operações,
todos assentados no sarcasmo, podendo fazer algo,
mas – ainda assim – presos no conluio de postergar
e até mal usar o idioma, num gerundismo canhestro:


“amanhã estaremos mandando o técnico à sua casa”.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025 10 comentários

Escopo


Pelo inferno e o céu de todo dia,
eu conservo somente um desejo:
transformar o tédio em poesia.

Que seja do que em mim silencia,
ou do que sinto, mas que não vejo –
o essencial é que haja a lexia.

(Se, tal como uma sala vazia,
a página frustrar-me o que almejo,
que, ao menos, não se faça a atonia).


terça-feira, 31 de dezembro de 2024 10 comentários

Nagual


Gostaria de me raptar
não sei como
dessa aflição
de dezembro, desse
céu à régua,
ilhando tristes,
dessa euforia
desgovernada, desse
estrangulamento;
o rufar de tambores
num crescendo,
que só faz
contar
regressivamente
os dias para
o próximo
calendário.


 
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