quarta-feira, 25 de maio de 2011

Coito incontínuo


As janelas se sufocam em cortinas. 
O turvo e tão tangível
tentáculo de sua nicotina
correndo hostil contra minha narina,
os lençóis embrulhando sua cintura e seios,
seu cabelo em desalinho.
Você avançou sobre meus vinte e poucos anos
como se não houvesse nenhum outro lugar
para procurar o que você buscava.
Agora, na volta de todas as coisas,
bumerangue kismet,
você inscreve linhas momentâneas
na linguagem do meu desejo,
como se nunca houvesse partido.


Já sou outro, 
você é quase uma incógnita.
Não há nada aqui que nos lembre quem fomos.
Estamos na contravenção dos fatos
: você, abandonada à sorte
de um relacionamento fracassado;
eu, consolidando posições em outro peito.
Eu, que selei promessa
na infância contra o cigarro;
e você se esfumando em tabaco.
Você querendo reviver
um tempo que não tivemos;
eu, tão somente retendo
o tátil do momento que não
pude ter dez anos antes.
Nesse rufo de tambores,
o impronunciado é a desforra
contra o que não vivemos
e nossos corpos nus,
um plagiato de paixão.


                                                                               Foi só sexo.

E, contudo, foi mais.
Eu que já fui um
cavaleiro em busca do Graal
agora sou apenas
uma casca de armadura,
com um simulacro de incumbência
a me ditar os dias.
Você me deu a alforria
que eu não precisava.
Eu lhe dei um prazer transitório.
Essa história já deveria
ter sido contada em outras épocas,
ainda no tempo em que somente
minha língua havia em sua vulva.
A saliva secou há muito.
Ficou só a lia,
cicatriz amarga como fel.

8 comentários:

Talita Prates disse...

um canto de libertação
: catártico!

Fodástico, Fabrício.
Gostei muito.

Abraço,

Talita

Fabrício César Franco disse...

Talita,

Acertou. Foi escrito há alguns anos já, como forma de me deslindar de todo uma época. Desvestir-me disso foi muito, muito salutar.

Obrigado pelo elogio. Fico muito orgulhoso de ter conseguido sua aprovação.

Beijo!

Anônimo disse...

Estou sem palavras... simplesmente lindo, parabéns, adorei!!! bjooo

Vanessa

Fabrício César Franco disse...

Vanessa,

Agradeço seu elogio e fico feliz em saber que minha catarse se tornou algo bom de ser lido.

Beijo e volte sempre!

Anne Barreto disse...

O que vc escreve é sempre legal. As imagens que vc posta são ótimas!! como e onde as encontra?!!?!?

Fabrício César Franco disse...

Obrigado pelo elogio, minha cara! Eu encontro as imagens meio que por acaso. Vou reunindo o que me interessa e depois vou dando um 'fim' a cada uma, de acordo com o que já havia escrito.

=)

Anne Barreto disse...

Passeando por aqui, (re)li esse texto...mas no começo achei que o estava lendo pela primeira vez...
Creio que por estar lendo com outros olhos, digamos assim...
Acredito que gostei ainda mais do que na primeira vez...
Mas um fato bem interessante: a primeira coisa que me chamou atenção foi a imagem! E me surpreendi quando vi meu primeiro comentário falando justamente da imagem!
Muito bom!!!
;)

Fabrício César Franco disse...

Anne,

É isso que quero que o Logomaquia seja. Um livro. Daqueles que a gente coloca lá na estante, mas volta e meia, pega novamente. Relê. Descobre passagens não palmilhadas, recantos não vistos, filigranas desapercebidas. Volte sempre e sempre. A casa é nossa.

Beijo!

 
;