A esperança é crônica,
o medo é agudo
e a chance azeita o motor dialético da história.
Avançamos, a esmo,
tateando no escuro.
Avançar é uma infidelidade –
para com os outros, com o passado,
com as ideias que cada um faz de si.
Quem sabe se cada dia não devesse conter,
pelo menos uma infidelidade essencial?
Seria uma atitude otimista, esperançosa,
que garantiria a crença no futuro –
uma declaração pública de que as coisas podem ser melhores,
e não apenas diferentes.
Ao invés,
nutrimo-nos de expectativas malogradas,
malsinamos a crença, no sobressalto
de que é presa a alma inquieta.
Fomos treinados nos rudimentos da linguagem
da fé apenas como uma precaução,
não falamos o idioma, não vamos além
da reticência de uma interjeição.
Claudicamos outra vez no arrependimento,
sentimento duplamente estúpido
: por trabalhar com uma matéria-prima morta (o passado)
e por gerar um resultado danoso (autocomiseração e raiva).
Não há como enfiar o gênio de volta à lâmpada,
o dentifrício de volta ao tubo.
Mas qual o quê?
O homem é um animal que se justifica e,
na pacatez burguesa de uma tarde de domingo,
aceita a cangalha do carecimento,
a insuficiência das desculpas impotentes.
2 comentários:
Caríssimo POETA,
"O que a vida quer da gente é coragem"(Guimarães Rosa).Por isto, exercito a coragem, ACREDITANDO, não "apenas como uma precaução". FÉ mesmo. Com este exercício, tenho diminuído meu DESCONFORTO. Tente, POETA!
Meu abraço.
E, como sempre, minha admiração pelo(s) seu(s) ESCRITOS.
Andrea Marcondes
Andrea, caríssima...
Obrigado pela leitura dedicada. Esse poema é antigo, vindo à tona só agora. Era outra época, outra inspiração, se bem que vez ou outra serve-me para espicaçar a atenção, não me deixar esmorecer na lassidão. A vida ainda é cheia de gumes...
Abraço, com carinho.
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