quarta-feira, 26 de junho de 2019

Turno da noite


A noite acontece
como se cada cigarra
destilasse de si
quase um céu
ao cantar. A noite
é um tanto além
deste quarto crescente,
olho semicerrado
contra um frágil negrume,
índigo escorregando
para o desabrido fulgor
das luzes da cidade.
Ubíquo paparazzo
– súbita razão da lente atenta,
espreitando delícias e agruras –
a noite retrata cada gesto
e gesta uma dissímil pantomima
que transige à lassidão
: rumamos todos
para a mesma subversão
de contornos definidos,
a argamassa fundamental
do sono unânime.
Ou nem tanto.
Uns raros profanamos
a noite duelando
com nossos demônios intestinos,
enquanto Eco e Pessoa se riem do intuito
: a lua mínima
ardendo na face do papel
é inclemente e não aceita qualquer um.
À risca ígnea da garra de outro amanhecer,
o que remanesce é a garantia
de mais lide sobre o texto,
outra noite desperta.

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