quarta-feira, 8 de dezembro de 2021 2 comentários

Prontuário



Não tenho manual, receita ou fórmula,
não tenho senso nem siso.
Eu não me equaciono,
nem sou preciso.

terça-feira, 2 de novembro de 2021 0 comentários

Euforia asfáltica

 


A estrada se estende,
quilômetro após quilômetro,
chegando a lugar algum.

domingo, 10 de outubro de 2021 1 comentários

Passadiço

 

O poema é alvenaria
: implausível ereção
de castelos, engenharia
reversa, o desfazer
da forma para engendrar
sentidos – uma leitura.

O poema é percurso
: jornada por sendas incógnitas,
paisagem movediça, extravio
de rumos, inventário de quimeras
degredadas e anistiadas –
rasura e reescrita
no mesmo apoucado espaço.

Construção e caminho,
o poema é passagem.

domingo, 12 de setembro de 2021 1 comentários

Afora



Respeito, antes de tudo:
gentileza em meio à raiva,
polidez, ainda que irritado
– pois a paixão é mesmo
esse fogo e o amor fica pouco
mais além, entremeado
de paciência e esforço.

Para lá das quimeras
de se estar sempre
certo ou errado,
há um campo
(como já disse Rumi)
e é só aí
que a relação floresce.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021 2 comentários

De mais uma definição de poesia


Certos textos que lemos
nos carregam em sua sintaxe,
clareando cada palavra,
fazendo o sentido se esgueirar
entre e ao longo da leitura,
não obstruindo
mas nos deixando
só a emoção do entendimento
como sequer houvesse
algo a ser lido
ali:

isso 
é poesia!

quinta-feira, 15 de julho de 2021 2 comentários

Uns



Uns são
Benjamim.

Uns vão,
trampolim.

Uns tão...
manequim.

Uns não, 
outrossim.

terça-feira, 22 de junho de 2021 3 comentários

Cambalhota


Manhã; o vento galhofeiro
passa as roupas no varal
a dez nós por hora.

Contingente na brisa,
o vestido nos pregadores,
sua ossatura ágil faz
piruetas.


domingo, 30 de maio de 2021 0 comentários

Episódio



Deve ter sido
escrita a cinzel
em algum lugar em meus pergaminhos,
num mais fundo em mim,
que estava reservado para outra caligrafia,
após tentames falidos e, apesar disso,
foi se refazendo devagar à sua imagem,
com carinho e simpatia e encanto,
com toda a surpresa que faz a vida valer à pena,
demorando-se nas reentrâncias de um sorriso desbragado
e num olhar que me fita distante e tão aqui.

E então, subitamente, você é
– linda harmonia ainda
que cacofônica –
para todo mundo ouvir
musicada em meu coração.

sexta-feira, 23 de abril de 2021 2 comentários

Antiquário da dor


Junto toda espécie de detritos,
resíduos abandonados,
em meu acervo de resquícios.

Conservo estilhaços de aflição,
angústia em cacarecos,
uma coletânea de suplícios.

Guardo quimeras despedaçadas,
lascas de amargura,
tombos diante de precipícios.

Colijo toda forma de naufrágio,
fragmentos de logros e embustes,
o cadafalso de cotidianos malefícios.

Preservo o luto dos ludíbrios,
a lástima amarga dos enganos,
o pesar de todos os vícios.

Coleciono a escória da consternação,
dos amores mutilados
e a brutal inutilidade de seus sacrifícios.

domingo, 7 de março de 2021 2 comentários

Resquício


Restou de nós
um rancor contido,
assuntos evitados,
mágoas recidivas.

Restou dos nós
a tristeza espaçosa
do laço desfeito.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021 2 comentários

Peripécia



O corpo espanca o carro: 
súbito silêncio dos pneus.

Nos lábios da calçada,
a formiga afogada em vermelho
e a bola perdida.

sábado, 9 de janeiro de 2021 4 comentários

Excesso de bagagem


Eles reclamam de seus nomes do meio,
carga descomedida, 
ônus na alfabetização,
má notícia no chamamento de mãe.

Daí amputam um naco da alcunha,
inventam uma identidade diversa,
neófita, forasteira na assinatura.

 
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