terça-feira, 5 de maio de 2015 16 comentários

Gnomas acerca da aflição


Ainda é cedo,
mas o dia já está perdido em tédio,
fadiga e desgosto.
À laia dos conjurados,
inquirimos o inexequível
: algo que dilua a angústia.
Cerceamos letalmente a vida
ao exigir extrair deleites de tudo
o que nos cerca –
                                    a comida deve ser orgástica;
                                    o amor, arrebatador;
                                    a arte, intensa.
Incutimos até num pedaço de pão
a obrigação de nos inundar de prazer.
Mercadejamos nossa felicidade
numa pletora de transações,
produtos de que nunca necessitaremos.

                                    E, entretanto, a alegria não virá
                                    dentro das sacolas de compras.

Os tratados da agonia,
com todo o peso de uma Alexandria queimada,
dizem que a alegria não é um estado de ser.
É uma ação,
é verbo e não um substantivo.
Inexiste involuntariamente de nossos atos.
Fugaz e transitória,
porque nunca se destinou a ser duradoura,
ela é o que nós fazemos.
Alegria é pagã, incoerente,
matizada de sensualidade e melancolia.
Não é o contraponto da aflição.
Esta é mais antiga, clássica, mal intrínseco
de que padecemos, a que nenhum medicamento
pode remediar, pois que não
proveniente de qualquer flagelo físico.
Como a barca do inferno, não poupa ninguém,
somos todos iguais perante a aflição.

Não existe lenitivo milagroso
para nossa consternação.
Ser humano é ser aflito.


 
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