quarta-feira, 21 de dezembro de 2022 0 comentários

Refrão


Vai dar no que der,
seja lá o que for
o que tem que ser:
nunca é indolor.

No fim das contas,
a gente já sabe:
aguentar as pontas
é o que nos cabe.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022 0 comentários

Formosa


Ninguém mais se lembra do nome da ilha;
se tanto, usam para falar da sobrinha, ou da filha.
Para mim, tem um quê de plenitude da ideia,
teor e forma em cima de mesma boleia
– trazida à baila sem raiva ou agressão,
o argumento para além da mera opinião.

Pois ter ideia, mesmo aquela que desabe,
no país onde a raiva é contra quem sabe
é de uma audácia sem tamanho: intrepidez.
Dia a dia, contra a truculência da estupidez,
tão-só estudar, refletir e negar a impostura
é buscar a liberdade frente à ditadura.

A ideia precisa, repito, vai além da crença
e a verdade – bela! – só é possível quando se pensa,
mesmo e sobretudo quando a situação é tensa.

domingo, 23 de outubro de 2022 0 comentários

Peregrino


Estou no precáriode estar sem rumo,
onde a passagem sabe
das sendas que os meus pés
não mais abordam.


Eldorado,
Hespéria,
Pasárgada,
Cólquida,
Xangrilá,
reinos miríficos e mundos arcanos
já receberam a visita
de minha mala sem sossego.

A promessa de chegar
afasta o cansaço
das minhas solas gastas
e faz afluir o perto.

A distância é uma fronteira
em dissolução e assoma
como o regresso
prevalecendo-se dos passos.

Atrás de mim
seguem as pegadas
a caminhar pelas reminiscências
de meus roteiros,
a relatar não mais
que minhas trilhas imaginárias,
o fascínio de meus trajetos,
a tenção de meus andamentos,
meu sestro de andarilho.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022 0 comentários

Guindastes


        Falamo-nos em terceira voz
        a equivalente sentença,
como que chegando à mesma margem
        por outro fado e querença.

        Buscamo-nos colmatar a lacuna
        inventada pela diferença,
cor da pele e procedência desiguais,
        com uma fala que convença.

        Alçamo-nos palavras preferidas,
        montando uma acepção mais extensa
ao mover vocábulos em construção delicada,
        esse fazer sentido, que nos pertença.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022 0 comentários

Périplo


A distância nos faz
arquipélagos.
No flerte, o istmo.
Adiante, a península da atração,
a esplanada do afeto,
a cordilheira das paixões.
Mas o amor é (in)continente.

 
segunda-feira, 11 de julho de 2022 0 comentários

Matinal

As cores rápidas
de uma criança brincando
na praça onde
estátuas, em seu bronzeado
de granito circunspecto
e olhar de mormaço,
fitam céus incertos,
de horizontes esticados.

Uma fatia de luz
intromete-se pela sala de estar
e desgasta as cadeiras,
enquanto o sol de ontem,
friccionado no lençol,
agora cobre a cama.

A manhã é canibal bulímica
e devora as horas lentas,
vomitando tempo perdido.

segunda-feira, 27 de junho de 2022 0 comentários

Dissimulada


Radiância de través,
nuvens monopolizam sua luz,
a lua
: em sigilo.

domingo, 15 de maio de 2022 4 comentários

Andamento


O tempo é o mesmo
em todos os relógios.
Na revolução das esferas,
as horas arrastam ponteiros
: a ciranda atroz da impermanência,
em direção ao depois,
esse imensurável depósito
de entulhos adiados.

sábado, 16 de abril de 2022 0 comentários

Pretextos

 

Eu escrevo porque tenho que.

Porque minha língua é
uma ferramenta muito esquiva
para a elegância da linguagem e eu
me sinto mais confortável falando
com as duas mãos, através da dança
pianística de meus dedos.

Escrevo porque o mundo é
criado por meio da linguagem
e quero um papel a desempenhar
em tecer o futuro.

Escrevo porque quero chegar até
meus leitores, onde quer que estejam,
e a única maneira que podemos
conhecer uns aos outros
é por meio de palavras.

Escrevo para me descobrir,
porque eu ficaria
louco de outra forma ou
porque eu já o seja.

Escrevo porque eu preciso
dar sentido à terrível complexidade do universo.
Porque eu sou feliz. Porque me dói.
Eu escrevo porque não há outra saída.

terça-feira, 15 de março de 2022 1 comentários

Memento

Todas as ondas
contidas num dia

de praia mantido
dentro da concha.

Ouço agora
o soluço das marés.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022 1 comentários

Glossário da consternação



O silêncio amarfanhado
é a eloquência
sem palavras
após a discussão.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022 0 comentários

Obra prima



Graciosa e escultural
mente preparada.

Astúcia da beleza,
superlativa e única.

Prodígio extra
ordinário feito.


 
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