sábado, 17 de dezembro de 2016 2 comentários

Xátria


Nasci guerreiro 
de conquistas acanhadas:
meramente
um homem.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016 6 comentários

&


Quem não vê bem uma palavra,
 não pode ver bem uma alma”.
 (Fernando Pessoa)

Eu acordo numa reentrância da noite, 
minha boca como uma gaveta vazia. 
São três da madrugada 
e a cama é um país estrangeiro, 
mesmo idioma, mas numa inflexão diferente, 
este solavanco para insônia 
um indício. 

Eu me decalco em passos 
casa afora, buscando 
não sei o quê. Sim, 
há sempre os que encontram 
e aqueles, como eu, que nem sabem onde puseram. 

Algo precisa vir ao escrito, 
tatuar a brevidade em coisa eterna, 
criar nexo. 

(Você nem sabe o quanto 
eu gaguejo por dentro). 

E assim procuro 
uma palavra que misture 
peripécia com insurreição, 
rasgo de se erguer o sétimo véu 
além das realidades 
tangíveis da vida diária. 

Nada extenso, só 
a contraparte estética da ocasião, 
algo que informe 
seja em que dialeto for. 

Saltimbanco, 
ele me aparece, 
dublê da eternidade, 
espaço de cronometragem impecável, 
solução aguardada com interesse: 
o & insiste 
nessa promiscuidade, 
nos lugares de encontros de estranhos, 
nenhum conhecimento prévio como condição. 

Um mero sinal 
para provar 
que nenhum encontro 
é inconsequente.

domingo, 9 de outubro de 2016 8 comentários

Sétimo céu


Salivo simplesmente: 
minha boca se contrai
num rictus de lâmina.
A fúria que asilo no peito
perverte, radical e fronteiriça,
minhas disciplinas atávicas.
É o rancor que dá seu voo de fênix.


Contudo, pensar em você cava
fundo em mim. Da memória
em estilhaços, resgato seu rosto,
que se emoldura em close
dentro dos meus olhos.
Na avareza dos desesperados,
tento reter nos poros
seu corpo sem coplas,
lindo e vazio como um ídolo.


Que você me perdoe, amor,
mas meu coração ainda é
e eu quero a paixão
com a estrutura de uma coisa eterna.


domingo, 18 de setembro de 2016 10 comentários

Girassol


Havia o escuro,
mas eu não sabia onde:
seu rosto era o sol.


segunda-feira, 8 de agosto de 2016 8 comentários

Narcolepsia


A exaustão toma conta.
Minhas articulações doem em revide, 
fracas demais para qualquer coisa. 
Sem indultos, sem alívio, 
anseio pelo sono, 
antecipo o torpor que virá. 
Ouço o travesseiro invocar meu nome – 
do outro lado do cômodo, ele sussurra, 
tonitruante em meus ouvidos. 
Olhos se fecham contrafeitos, 
já não vejo a tela através 
das lágrimas de bocejo. 


Estou perdendo velozmente esse duelo. 
                                   Não posso dormir!
                                   (Como se a escolha fosse minha). 


Minuto a minuto, 
a contenda prossegue 
até findar meu turno
: desabo na cama a tempo 
de descobrir que estou 
completamente desperto. 


Na peleja com a fadiga, 
a insônia acabou por vencer.
sábado, 2 de julho de 2016 8 comentários

Terra-a-terra


Fui riscado do seu mapa,
mas não desisti
da sua geografia.

quarta-feira, 8 de junho de 2016 12 comentários

Loa ao olho


Um ídolo que requer segredo, o olho 
não tem matiz discernível e confere 
ao espectro o que lhe falta

: as cores se refratam 
                e colidem 
                e formulam o visível. 

O olho é um zero 
difratando o tempo 
                e a água. 

É pelo que revela: 
uma condição de vantagem, 
um contrato 
                com o que se percebe. 

O olho é nada 
que já se viu.

domingo, 8 de maio de 2016 12 comentários

Nó górdio


1.
Qual a real medida desta manhã
que nunca me será dada de volta?
O que se faz aqui,
nesse débil agora,
que vai me fazer tirar leite das pedras?
Como ordenhar o vazio?

2.
Tempo é menos
uma medida de passagem
do que uma ressurreição falha.
Calendários e cronômetros não passam
de um tentame pífio
de se algemar o que se nos evade
e que, inversamente, nos prende
ao calabouço dos ponteiros,
à senzala das agendas,
à penitenciária das folhinhas.
Um nó só,
mas como é difícil desatar
: se livres, estamos extintos,
externos ao evento.
Resta-nos bem pouco a fazer.
Arte pela arte.
Vida pela vida.
E sempre, a morte.


quarta-feira, 6 de abril de 2016 12 comentários

Uma época em diagrama


O niilismo 
                          traça
                                                     sua 
                                                     carta 
                                                     geográfica
                                                                              : 
                          faz-se
                                                     ideologia 
                          da nossa 
                                                                                        impotência.


quarta-feira, 2 de março de 2016 14 comentários

Movimento rápido dos olhos


Nômade, contra os ventos,
na vertigem dessa madrugada,
que passa seu tempo
colocando nos faróis uma dança
de sombras e sugestões.
Vou esbarrar comigo por aí,
aparando minhas arestas
para não cair do corpo.
(A realidade cadastrada na memória
é falha e já nem sei mais quem sou).

A metrópole em esclerose
desorienta meus gestos,
exaustos de tantas etiquetas.
Enjoado da poética mortífera
dessa era de hipérboles,
faço meu último movimento
sob o céu instável:
eclipso-me na incerteza
dos plurais.
(Já não quero ser “eu”,
é mais fácil ser “nós”).

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016 10 comentários

Efeméride


Agora
não é antes
nem depois.

Assim como ontem
nunca será
amanhã,

embora

faltem exatas
quarenta e oito horas
para que amanhã seja ontem.
 
domingo, 3 de janeiro de 2016 12 comentários

Janela


A manhã,
que se forma já por dentro
consumida, sói
num solo de retinas
: dói nos olhos.


 
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