quarta-feira, 19 de dezembro de 2012 12 comentários

Maquiagem


Vozerio.
Frenesi.
Efervescência.
A música não se basta.

Balizas de uma festa.

Colo em meu rosto um sorriso
para entrar no tom.


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012 12 comentários

Clandestino


Eis
que esse no álbum de retratos
nem parece
ser eu.
Não é
meu rosto, eu
que me vejo
todos os dias
no espelho pela manhã.
É um semelhante,
sósia,
parente.
É mais
flexível e mais elástico,
mais dúctil enfim,
do que eu.

Não é
minha fisionomia, insisto,
mas bem que poderia ser
um mapa de como cheguei aqui.

Quando mudei de uma
e comecei a habitar outra?
Será que mudei por inteiro
durante o sono
ou fui levado em baldeações,
pedaço por pedaço,
nas abrasões regulares do chuveiro solar
(respiro e o tempo abre suas torneiras)?

Não me reconheço
neste espalhamento de estradas
que não podem ser retomadas,
canais que se abriram
na tectônica geologia da pele.

Poderia ser brando e dizer
que virei flor de figo,
que floresci por dentro.
O resto é subterrâneo,
reminiscência que acorda a cada dezembro,
folia de criança
que se busca
num pique esconde de fotogramas,
encontrando
um homem diferente
em cada um deles,

naqueles semblantes.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012 18 comentários

Sudário


Sigo um certo rastro de vida
que não me leva a lugar algum.
Aceito relações feitas de acaso
e circunstâncias: onde
acontece estar meu corpo.

Na verdade,
vivo para buscar
a parte rebelde de mim,
que descansa no sem fôlego
de uma noite sozinha,
vazia,
amarga de insônia.
“O meu ofício é ter alma”.

Mas ainda me desconheço:
entre o que sou e eu
existe um hiato,
virgem como uma dançarina
sem coreografia.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012 12 comentários

Em surdina


Estou que não me sei. 
Desiludido dos sistemas 
e das superstições, fecho-me 
em copas. Esforço inútil: 
nenhuma fuga é possível. 
A vida é, 
inexoravelmente. 
Nela adolesço 
o estreito-pouco do meu corpo, 
querendo sempre mais 
- como Cecília – 
do que vem 
nos milagres.

terça-feira, 13 de novembro de 2012 12 comentários

Prestidigitação


As palavras não se comportam, 
desproporcionam a vontade de escrever,
atormentam a inspiração.
Nada mais natural que se desprendam de mim,
como casca de árvore, como suor,
como pele de áspide. No entanto,
coisa nenhuma se expressa, elas continuam aqui,
recolhidas nesse interstício,
presas no atrito da imprecisão.
E qual o motivo, meu Deus?
Afora as óbvias,
justificativas assim precisas não há.
A autocrítica intransigente,
certa desambição de se fazer lido,
a persistente sensação de que nem
se é tão imperioso colocar minha alma no papel.
Novo tentame. Fixo-me na música das esferas,
conto meu fôlego daqui ao Zen,
busco resignação nos confins da sofreguidão.
Como um regente vacilante, ergo minha batuta
contra a fúria dos constrangimentos da eloquência
: minha escrita torna-se o contraveneno
da mordida do embotamento,
truque de dedos,
bruxedo de vocábulos.



domingo, 4 de novembro de 2012 10 comentários

Itinerários de Sísifo


Conforme nos rendemos 
às estrições desse tempo,

às agendas atulhadas
de coisas por fazer,
aos canhotos dos cheques
marcando
impiedosamente

os valores devidos
ao próximo mês,

tornamo-nos um
borrão indistinto

(desatino dos astrolábios)

na ginástica dadaísta das ruas,
onde somos tão só
a roda de um

invisível moinho de galés.


segunda-feira, 29 de outubro de 2012 12 comentários

Caixa de Pandora


Guerrilha de informação,
reduzindo a comatosos
todos os fãs de telejornais.
replay configura
um diverso balé:
o corpo que cai,
cem vezes
alvejado pela metralhadora,
é mil vezes
perscrutado pela câmera.

Guerra de slogans,
grafitos em chamas,
mensagens não percebidas.
A razão em linha de fuga.
O show da vida,
a vida em show.
Dissolvendo as antenas
parabólicas da certeza.
Invadindo a cabeça
complacente do rebanho.

Mas querer ter muita convicção
não leva a muita coisa:
a angústia sem soluções
é o leitmotiv da década.


(Meu primeiro poema "publicado", Revista do Corpo Discente da UFMG, há 25 anos).

sexta-feira, 19 de outubro de 2012 16 comentários

Da estratégia da fênix


Disparei o coração
na fluência do tráfego,
bem na hora do rush.
Lancei meu sorriso aos pombos,
numa dessas tardes de domingo.
Dissolvi oração e silêncio
nos braços constelados de carências.
Crivei o olhar de canções tristes
e me alastrei sobre nostalgia.

Mas não se engane comigo,
rasgo o invólucro. Deslindo-me:
é só a minha punção de mártir
em busca de um outro
passatempo para o corpo.


sábado, 13 de outubro de 2012 12 comentários

À flor da pele


Eu sou o punhal e a ferida,
eu sou o sopro e o gesto,
suspeitados no imprevisto
de um cálculo de probabilidades.
No fio da navalha
entre o orgasmo e as lágrimas.
Estou compartimentado
nos sete fôlegos do espelho,
nos milímetros do rosto,
no silêncio
transbordado por instantes,
alinhando a palavra
na álgebra do momento.

Desmorono, permaneço,
edifico e me desfaço.
Gigoloteando frases alheias:
“yo sólo quiero que me lleves”.


domingo, 7 de outubro de 2012 12 comentários

Um outro ruído


Sob o silêncio a pino,
caio no regaço da palavra,
que o resto é ressonância.


domingo, 23 de setembro de 2012 10 comentários

Rosa dos rumos


Berlinda-se
a manhã

abaixo
do Equador:

o sol
ao longo dos olhos,

caminho
desnorteado.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012 10 comentários

Macambúzio

“Até no riso o coração sente dor
e o fim da alegria é tristeza”
(Provérbios 14:13).

O problema é o de sempre,
esse acabrunhamento que se dá.
Minha melancolia tem premissas tautológicas.
Parece que o firmamento vai desabar
sobre a larga hesitação de meus tropeços.

Cada respiração ganha o peso de uma bigorna.


Eu busco palavras sem sucesso 

no escaninho da inspiração,
algo que purgue esse pesar, que pacifique
essas colisões de frentes emocionais em meu peito.

Mesmo na ledice ligeira de um sorriso,
o contentamento vem embrulhado
numa tristeza de papel fino.

Com uma precisão prussiana,
o desalento entra (desconvidado)
por reentrâncias, por frinchas de biombo
e envilece os dias.

Eu me faço de insurgente:
se eu pudesse ao menos
acertar meu horizonte íntimo,
alterar as rotas, mudar os ventos, rasurar os planos...

Mas o destino é aritmético.

Refaz caminhos, corrige hereditários,
escopo de forças rascunhados
na entrelinha da mão.

Quem nasceu para fado nunca será samba.
 
sexta-feira, 7 de setembro de 2012 10 comentários

Testemunha ocular


O sol a pino e seus desastres:
uma manada de manifestantes
fere o asfalto do centro da cidade.
Um candidato a alguma coisa
arregimenta parvos acólitos
em torno de promessas faltas.
Os ônibus, os carros
impacientam-se nas buzinas.
Chove papel picado.

E eu me atraso para o trabalho.
domingo, 2 de setembro de 2012 10 comentários

Setembro


Domingo de sol
na cidade vazia:
só eu nas ruas.
domingo, 19 de agosto de 2012 14 comentários

Herança


Na família de meu pai
morre-se de infarto.
Na de minha mãe,
de câncer.

Demorou-me um pouco
para que eu percebesse
que as famílias dele e dela
somaram-se em mim,
tornaram-se a minha.

Agora ouço antepassados em querela:
“Ele será um dos nossos”.

“Não, dos nossos”.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012 20 comentários

Quiromancia


Há rios secos nas mãos,
                                                   onde o destino encalhou.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012 14 comentários

Zagaia


Vista de passagem por olhos apressados, 
uma breve promessa do paraíso, 
uma tentativa de fazer com que monólogos 
resultem num diálogo: você e eu 
quarando a tessitura da alma 
em linhas de um meio-dia. 

Juras impelidas a alinhavar o acordo, 
a conexão de duas metades. 

Dizemos coisas definitivas, 
mas ninguém define as coisas. 

Tentação, o gosto que atiça, 
mas não preenche. Uma 
promiscuidade de sugestões e indiretas. 
Um sorriso de soslaio 
que os lábios deixam escapar. 
Tão discreto quanto o outro lado da lua. 
Tão sutil quanto o gosto de uma alface. 
Tão exato quanto o dardo em sua trajetória.

sábado, 4 de agosto de 2012 23 comentários

Pequena lista de aspirações


Dizer
         "conte comigo"
sem
parecer fraco.

Dizer
         "eu te amo"
sem sufocar.

Mostrar paixão,
não obsessão.

Antes
que a chuva edite
o que sobrou da noite,
deitar ao seu lado e dormir,
sem perturbar
seu ressoar de sétimo sono.

Ouvi-la,
como uma onda
que guarda na praia a natureza
do mar de que participa.

Não
pisotear a melancolia
que você
luxuriantemente
cuida como um jardim.

E
se absolutamente preciso,
deixá-la seguir, soltá-la,
sem parecer capitulação.



domingo, 29 de julho de 2012 12 comentários

Ouroboros


)
Para ser lido em qualquer direção.
(

Um começo
finda
o que
um fim
começa.


quinta-feira, 19 de julho de 2012 16 comentários

Nirvana de celofane


)
Nemo saltat sobrius.
Homens sóbrios não dançam.
(

O que eu queria, é claro,
era o ímpeto e o alcance do épico,
música pomposa, o sentido da vida
mesmo que perfumada
pela vastidão da morte.

Queria tudo isso
em três minutos e meio,
na abrangência de um poente.

Deixei-me ficar,
num favor de aragem,
no vermelho da tarde que se recolhia
no céu e me embriaguei
aquém das letras,
além deste idioma
feito de todos os poemas
que já li sobre o crepúsculo.

O que foi escrito
é insuficiente, precário e falto:
a feição do entardecer era
de páginas vazias em antecipação,
o branco incólume.

Sei que a linguagem é uma ameaça
que se abriga no que foi
empenhado nos textos
e que uma névoa de palavras, provocadas
pelos inconstantes ventos do sentido,
nunca fará jus ao que vi.

Mas que era bonito, isso era.

terça-feira, 10 de julho de 2012 12 comentários

Móbile


                                 Avesso
no verso,
                        recidivo
sem rima,
                        eu
contrario.

quarta-feira, 4 de julho de 2012 14 comentários

Liturgia


Um fulgor prematuro hesita lá fora,
na noite que esvazia suas estrelas
num borrão de alvorada.
A fina pele de vidro
deixa entrar um gris inegável
às 5 da manhã, que vem
à queima-roupa contra
o guardado escuro em que durmo.
Ganha uma escrivaninha, uma cadeira,
o quarto como que um
excêntrico experimento de desordem,
alvorecendo em pequenas somas
: uma casa, uma data,
um cortinado de clarão do dia.
Talvez seja isso a comunhão legítima,
essa vida que nos permite
a cada manhã
nova hóstia de sol.
sábado, 23 de junho de 2012 14 comentários


Antes que nossas soluções na manga 
percam seu efeito; antes
que o afago desabe num capricho passageiro; 
antes que a circunstância 
desaconteça e nos arraste 
às nossas beiras e parapeitos; antes 
que a meia-voz se torne alarido
de trombetas em bemóis dramáticos
anunciando algo que não chega; antes
que um pretexto fortuito
desmantele e apague as palavras –
sejamos.

Dum vivimus, vivamus.

quarta-feira, 13 de junho de 2012 14 comentários

Simulacro


Esses que exigem 
            consideração 
pelas suas renúncias estavam 
fazendo 
            investimentos
: não era 
           desprendimento.

quinta-feira, 7 de junho de 2012 16 comentários

Estratagema


Quando um jato voa
baixo sobre nós,
na cristaleira todos
os vidros cantam.

Sentimentos são
igualmente assim:
um coral, não um solo;
misturados, nunca puros.

O sentimentalista pode
querer negar a tristeza
ou o enfado em sua felicidade,
ou a liberdade que ilumina
até mesmo a pior perda.

O moralista resistirá
à mais vaga conivência.

O sofisticado,
receando ser tachado de ingênuo,
bradará aos quatro ventos
sobre os resquícios da fatuidade
ou da volúpia em qualquer motivo,
como se eles fossem o todo.

Cada um está se vendendo
simplicidade; todos se enfraquecendo
em seu medo da fragilidade.


terça-feira, 29 de maio de 2012 18 comentários

Quiçá a crisálida de um outro encontro


Você sempre me encontra assim,
em noites eternas posto que impermanentes,
o único e absoluto tempo de viver.
Seu olhar é estradeiro, a saudade alada
e o coração, vagabundo.
Nem ouso perguntar
por onde tem andado,
você não diria.
Eu me desassossego,
queria ser ubíquo
em todos os seus atos
para não precisar
de tradução de seus gestos.
Sua versão é imperfeita,
menos vívida que legítima.
Há um abuso de entrelinhas,
frangalhos de memórias,
dejetos de enredos
que se extraviaram.
Suas frases,
atordoadas em lacunas,
contam do ruminante cotidiano.
Não sei se tomo
o valor nominal do que diz
como a real cotação das palavras.
Você me diz que está perdida.
Mas tantas vezes a gente se perdeu,
simplesmente porque tentamos
encontrar significado onde não havia.
Você insiste. Aponta para mim
como seu porto seguro,
mas diz que o mapa do retorno se consumiu,
a rosa dos rumos ensandecida.
Outros pretextos com que finjo concordar,
já que não me movo,
tenho estado aqui por eras.
Porém sei do seu apreço
pelo gosto de voltar
: sou todo familiaridade.

Fio de Teseu no labirinto.
Prendendo você justamente
por lhe dar toda a liberdade.


quarta-feira, 23 de maio de 2012 16 comentários

Canto geral


No que recuso o amor verbal,
desvalorizado
pelo excesso de aplicações ridículas:
pretendo,
simplesmente,
o aconchego das palavras
sem ciladas de sentido.

E no que evito a paixão
feita extorsão,
que chantageia cada palmo de atenção
com beijos como que ultimatos:
reclamo uma única noite
marcada na pele.

Assim subverto a vida.
Assim amo.



sábado, 19 de maio de 2012 18 comentários

Dos olhos secos


Dentro de mim ecoam tempestades

            de lágrimas inderramadas,
colecionadas ao longo dos anos
em letífero fluxo.

Quantas lágrimas são racionadas 
                        para cada um de nós?

Há uma quota que devemos respeitar?
Que cataclisma resultaria caso meu pranto
arrebentasse nesse instante,

feito uma represa que rompesse suas comportas

e tragasse a mim, na maré revolta
de tudo aquilo por que eu já quis chorar,
nada obstando não consegui,
olhos que só sabem carpir oceanos ressecados?

quinta-feira, 17 de maio de 2012 10 comentários


quarta-feira, 9 de maio de 2012 20 comentários

Bagagem antiga



No vermelho escuro das pálpebras fechadas, 
uma lembrança escoa pelas frinchas
e folia nos longes dos anos.

Uma velha melodia,
ouvida ainda nos discos de vinil,
serve de trilha sonora
e rumina a memória
na dança da saudade.

Eu, garoto,
voltando da escola quase ao lado,
um único muro a dividir os mundos.
Minha sombra se alongando pelo chão,
com uma tarde de sol
a me escorrer pelo corpo seus dedos quentes,
a soletrar a nômade caligrafia dos pássaros. 

(A contextura das recordações se fragmenta
e não é necessário ser preciso,
basta saber que as coisas aconteceram).

Simultâneos, ele e eu
percebemos o mesmo:
a vida não é nada além
de um flerte e tudo
em que consistimos cabe
numa sentença –
“cada qual busca a Terra Prometida que lhe cabe,
e meu infinito é para dentro”.



sábado, 5 de maio de 2012 22 comentários

O cio da lua cheia


Estou sozinho
na noite intranquila:
rolo na cama.


sexta-feira, 13 de abril de 2012 24 comentários

Noturno, quase um 'blues'


A noite além dos meus ombros é
uma vastidão
que se comprime
junto às vidraças e se adelgaça

ante a febre de outra madrugada.
A noite,
comparte na minha volta para a casa
sob a luz de sódio,
risca destatuagens no breu,

em cujas bordas o sono vai corroendo
todas as formas,
enquanto
uma constelação distante morre
num canto qualquer
do céu.

quarta-feira, 4 de abril de 2012 26 comentários

Xiita


Persisto na intransigência da expressão.
Escrevo a secas
meu desideratum:
aquilatar a frase
na lavratura da pedra,
galgá-la
nas cordas da tribulação,
domá-la
na beleza da precisa oportunidade,
e por fim
aguilhoá-la
na leitura alheia.

Se não me orgulho,
ao menos que não haja remorso
pois,
depois que sai,
não se pode recolhê-la
: é flecha lançada.

Na palavra deposito meu efêmero,
perpétua singradura de sentidos,
e traço as fronteiras de meu estado,
nômade e em constante exílio.

quinta-feira, 29 de março de 2012 22 comentários

Talhe


São dois
os gumes e uma
só ferida

: mesma lâmina.

segunda-feira, 19 de março de 2012 24 comentários

Sessão da tarde


De todos os assentos 
que você poderia ter 
escolhido neste amplo,              desmedido 
ambiente, todo 
vazio, todo                                   disponível, 
                                                            você 
escolheu logo 
aquele próximo a mim. 

Eu estava 
sôfrego por solidão, 
por um espaço 
quieto e escuro 
nos minutos desagendados
                                                           à força, 
para abrandar 
os círios de minha alma 
nas janelas dos olhos lentos. 

Queria me despir 
deste indumento 
de fruta couraçada 
e não cogitar 
das desavenças,
                                                          desperdícios 
que se fomentam no mundo. 

Será que você percebeu? 

Eu me sentei aqui,                  entorpecido, 
                                                         cataléptico, 
                                                         pesado na cadeira, 
pés descalços sobre o assoalho, 
a friagem penetrando
                                                         a passo 
                                                         nas solas. 

                                                         Agora, 
estou atento 
a cada respiração sua. 
Sento-me 
                                                        empertigadamente 
e mastigo minhas balas de goma, 
                                                        circunspecto, 
para não lhe perturbar 
de forma alguma.



sábado, 17 de março de 2012 34 comentários

Quimera


Encontrei uma rosa em seus olhos,
um oceano em seus lábios.

Só que a rosa
virou ferida.
E o oceano, 

sede e suor.

terça-feira, 13 de março de 2012 32 comentários

Filosofema


Tua verdade
não é
a única,

mas aquela
em que mais
acreditas.

Eis:
em absoluto.


quarta-feira, 7 de março de 2012 24 comentários

Vértice


Em resumo:
permanecemos vagos e ermos
dentro de nossos muros.
As pessoas se rechaçam,
arquitetas de suas lidas de vidro,
sofrendo suas mortes a crédito.

E assim, vidas se misturam,
incompletam-se,
e a dúvida subsiste:
se somos o que calamos,
existimos por elipses?


domingo, 4 de março de 2012 20 comentários

Esfinge


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012 24 comentários

'Poiesis'



)
À la carte para o leitor
(

A poesia tornou-se performance,
um duelo sem muitos direitos:
a última do Lácio não é mais flor.
Sobre o pavimento da folha
(este pedaço de todas as interrogações),
o único expediente
é recuperar a palavra
dispersa na mídia hansênica.

Acima do discurso tísico
deste milênio que estreia,
fazer poesia
é inventar a carne.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012 28 comentários

Festim


Antes que se faça cinza a quarta-feira;
que o batuque se recolha ao silêncio,
transitório e quaresmal;
que o colorido das fantasias se tolde
no fosco ecumênico de todo dia,
quiçá essa inquietação acabe e me dê
a sensação de haurir o que é preciso:
a semana, o mês, o ano prossegue estritamente,
e o cansaço já me veste 
em seus trajes frouxos.

Forasteiro desde sempre a todo esse folguedo,
vezes sem conta eu me (im)pus a máscara foliona:
mas o molejo é faltante, a malemolência falha,
e logo se percebe que tenho mais raízes que pés.
A gandaia se me faz pelos olhos de espectador,
o espocar imponderado dos tambores
surgindo como um susto à solta no peito,
meu admirar-me acriançado diante da veemência
corpórea dos passistas que se doam à polirritmia.
E Momo, esse se ri de minhas arlequinadas.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012 22 comentários

Undíssona


Sua voz imerge em mim
no seu escafandro de som,
mergulhando
para além
de meus arrecifes
à tona,
das minhas marés revoltas.

Rumor
na arrebentação da onda,
sua voz
é preamar
vociferando
nos calcanhares da praia,
umedecendo de vagas fartas
o atol da orelha.

Sua voz é Jonas
e faz
dos meus ouvidos
sua baleia.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012 22 comentários

Direção



sábado, 4 de fevereiro de 2012 22 comentários

Da litocronia


As pedras escorregadiças, 
lustradas por anos de conflito. 
Aguerridas, iludem o tempo 
enfrentando-o de frente, 
minério contra o vento, 
contra a chuva, 
expondo todos os achaques 
e tormentas que esfolam 
cada aresta com um toque 
não muito distinto do de um Michelangelo. 

Ainda assim, o ar 
é teimoso em sua insistência: 
quer assinalar as pedras 
com a rubrica do envelhecimento, 
como um encarcerado 
que decompõe a idade que lhe resta 
em linhas e traços. Quando o sol 
começa sua descida lenta, 
ornando o ar de ouro e cinabre, 
as pedras recortam a paisagem, 
severas e estoicas, sem saber 
que somos nós 
os interinos no crepúsculo.

domingo, 29 de janeiro de 2012 24 comentários

Verbo




segunda-feira, 23 de janeiro de 2012 20 comentários

Hermético


Ela me telefona 
para dizer que me leu. 
E que continuo 
para poucos.

Esotérico. Não 
facilito as coisas 
para meus leitores. 

Ela é gentil 
ao colocá-los 
no plural. 

Mas isso não 
é surpresa, ela é 
assim há coisa 
de muito tempo. 

Em minha defesa, 
devo dizer que o sentido 
do que escrevo está 
circunscrito pela percepção 
- melhor, pelo indiscernimento - 
do que seus olhos 
arrecadam por instantes, 
uma atmosfera mais 
do que uma 
ciência exata. 

Que você me leia
à margem do texto, 
que eu me abandone 
à castidade perversa 
do nexo recusado. 

Pois, lembre-se, 
de nada adianta a glosa 
- a própria tradução 
faz nascer o intraduzível. 

E eu tenho 
esse teimoso apetite 
que galopa pelo texto, 
que se esbate 
contra as jaulas da mesmice 
e as coleiras do já visto: 
em algum lugar 
nas frestas da prosa 
devem surgir as palavras 
resgatadas da prisão da página, 
pelo ato de se as ler. 

As coisas vivem 
pelo ofício do cotidiano, 
existem de passagem. 

Qual meu revide, 
meu desagravo 
- a desforra? 

Essa intrincada construção 
de frases que mesclam 
esperanças malogradas 
e felicidade efêmera, 
que de fora parecem 
imponderáveis e
intimamente desejam 
que a lisonja possa me fazer 
perdurar no eterno 
da intensidade 
de sua leitura.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012 22 comentários

O rumo dos remos



domingo, 15 de janeiro de 2012 20 comentários

Lepidopterologia



A borboleta tem seu lugar na psicologia 
não por sua fase de crisálida,
seu intrincado mudar de pele,
também notadamente por sua fase de pupa,
temporada de paralisia integral da vontade.

Fascinados, estudamos os sonhos
frustrados da lagarta, que correspondem
tão mal a seu desajeitado corpo preso à terra.
Observamos
como o conflito aparentemente insolúvel
entre aspiração e realidade termina,
afinal, em resignação total, enquanto
a criatura deixa de comer, tece uma mortalha
ao redor de seu corpo, e se prepara para morrer.

Contudo, naquela condição mirrada,
quando a pupa pode ser classificada e posta
em mostruário, algo inesperado, totalmente
imprevisto, ocorre que nos dá o direito
de acreditar no impossível.

Dizem que Psique significa "borboleta" –
cautelosamente ela rasteja de seu casulo,
sua pré-história, desfralda suas asas
e se arroja ao vento.

Eis o que quero
: meu poema que só mortalha caída no chão,
a verdade concreta e póstuma das palavras
ficando para trás, enquanto
o significado finalmente voa para fora da linguagem,
reafirmando sua paixão acesa e aturdida
nos olhos de vendaval 

de quem me lê.

 
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