domingo, 3 de março de 2024 8 comentários

Teofania


No escuro, o menino perguntava 
          (o que é o mundo?)
apenas para escutar sua tia afirmar
          (uma casa dentro de uma casa)
ou simplesmente para sua mãe responder
          (uma ala inacabada do céu).


Como alguém poderia adivinhar,
naquela casa, e nas outras que se seguiriam,
que a questão encontraria
seu começo de resposta
crescendo dentro daquele que perguntou,
aquela criança insone,
o predileto da noite?
Mais tarde, já adulto
deitado na assonia,
ele se pergunta outra vez,
meramente para ouvir
o silêncio assaltá-lo


          (essa noite se arqueando sobre sua admiração,
          o fado próximo que se achega na alcançadura)


e se lembrar que durante
essa parca intermitência,
esse imenso adeus
que se prolonga,
cada um deve fazer
do seu peito um sacrário,
antes que uma visita
tão estrangeira e esquiva
como Deus se avizinhe.


terça-feira, 6 de fevereiro de 2024 8 comentários

Algo ágrafo


Minha vontade estende 
seus olhos longos para a folha.

A introspecção da paisagem:
fazendo massa crítica para escrever.

Olímpica em sua indiferença,
a musa fica lívida:

e me dá um branco.


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024 0 comentários

Restante



A cúpula do céu,
repartida em poças,
após a chuva.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023 0 comentários

Totem


Sou o vento que respira
sobre a melancolia do mar;
sou o abutre nas rochas,
rendido aos evangelhos do equilíbrio;
sou um golfinho e mergulho
nas profundezas da minha alma;
sou um desenho numa árvore,
sem compromissos além
da minha própria forma;
sou uma gota de óleo na água,
condenada a permanecer inabsorvida;
sou o esplendor do silêncio,
que é mais do que a palavra;
sou a imitação da rosa,
pendida na angústia da felicidade
de um buquê de noiva;
sou a cimitarra do quarto crescente,
ceifando este fiapo de noite;
sou tudo o que eu nunca lhe disse
dentro dessas margens.

 
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