Hábito,
nossa magra porção de coisas
que se sucedem,
divindade de tudo o que é
monótono à nossa cognição
e que labuta na previsibilidade
dos fatos reiterados.
Quando eu abro o zíper
da manhã num vão de porta
entreaberta ao primeiro sol, eis
: rarefeito como sempre.
E eis na correspondência –
as contas habituais
e uma carta de minha mãe,
lida na ligeireza e propósito
de uma saudade que se atropela
na digestão precoce de um meio-dia.
Eis ainda
na conversa à deriva dos lábios
(essa parede delgada
e impermeável
que nos atravanca a prosa),
que nos aproxima
e nos distancia
no supermercado,
na parada de ônibus,
nos portões da escola,
onde confundimos
convivência com amizade.
Hábito,
nosso pequeno nume dos intervalos
entre desastres e deslumbres,
que nos concede o fausto de sua praxe,
o pouco
com que nós aprendemos a contar,
nós o louvamos
à repetição:
por todos estarem em casa para o jantar,
pelo status quo,
pela lua que regressa
como uma segunda chance
depois da chuva,
por essas últimas horas antes do sono,
quando recontamos o dia
um para o outro,
e pegamos o livro já lido
inúmeras vezes,
cada vez tão familiar
e tão inexplicavelmente
outra
e original.
Escrito por
Fabrício César Franco
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