quarta-feira, 9 de julho de 2014 12 comentários

Ocorrência


A tristeza crônica de um fim de tarde.
Nuvens criando rugas no céu lilás,
o ar frouxamente obstruído por teias.
Atravesso a hora final do crepúsculo
com a tácita consciência da grave presença do mundo,
com a compacta serenidade de uma árvore. 

Satisfeito comigo, como um hibisco.

quarta-feira, 2 de julho de 2014 18 comentários

Elegia a um gato chamado Tobias


Antes, eu não queria você.
Minha vida já parecia
abarrotada de afazeres e cuidados,
sem que eu precisasse cuidar de mais alguém.
Nunca algo. Você nunca foi algo, sempre alguém.
Chegou com personalidade,
olhos azuis de minha avó, veja só!
E aquele olhar de esfinge,
querendo me indagar sobre coisas que,
se eu não me cuidasse, ficariam
perpetuamente sonegadas,
sob o manto da rotina.

Eu lhe dei as respostas que queria? Fiz-me entender?
Seu olhar persistentemente azul e o ronrom cavo
nunca me deixaram claro.

Seu arquear-se para um carinho,
o esfregar-se em minhas pernas,
o miado – único e sucinto – não os há.
Você se foi.

Eu não entendo essa perda, essa ausência.
Eu não entendo, mas você parecia entender, Tobias.
O mundo era fácil para você, sistêmico, metódico.
tudo em seu canto, seu lugar.
Passadas descompromissadas sobre o sofá.
O deitar no meio da porta, a interromper o roteiro.
E como Drummond, nunca me esquecerei,
que no meio do meu caminho,
houve você, filhote querido, coisa peluda,
a me ensinar a ser um tiquinho mais humano.


 
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