segunda-feira, 20 de novembro de 2017 2 comentários

Desconforto



A esperança é crônica,
o medo é agudo
e a chance azeita o motor dialético da história.

Avançamos, a esmo,
tateando no escuro.
Avançar é uma infidelidade –
para com os outros, com o passado,
com as ideias que cada um faz de si.

Quem sabe se cada dia não devesse conter,
pelo menos uma infidelidade essencial?

Seria uma atitude otimista, esperançosa,
que garantiria a crença no futuro –
uma declaração pública de que as coisas podem ser melhores,
e não apenas diferentes.

Ao invés,
nutrimo-nos de expectativas malogradas,
malsinamos a crença, no sobressalto
de que é presa a alma inquieta.
Fomos treinados nos rudimentos da linguagem
da fé apenas como uma precaução,
não falamos o idioma, não vamos além
da reticência de uma interjeição.
Claudicamos outra vez no arrependimento,
sentimento duplamente estúpido
: por trabalhar com uma matéria-prima morta (o passado)
e por gerar um resultado danoso (autocomiseração e raiva).

Não há como enfiar o gênio de volta à lâmpada,
o dentifrício de volta ao tubo.

Mas qual o quê?
O homem é um animal que se justifica e,
na pacatez burguesa de uma tarde de domingo,
aceita a cangalha do carecimento,
a insuficiência das desculpas impotentes.

 
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