quarta-feira, 9 de maio de 2012

Bagagem antiga



No vermelho escuro das pálpebras fechadas, 
uma lembrança escoa pelas frinchas
e folia nos longes dos anos.

Uma velha melodia,
ouvida ainda nos discos de vinil,
serve de trilha sonora
e rumina a memória
na dança da saudade.

Eu, garoto,
voltando da escola quase ao lado,
um único muro a dividir os mundos.
Minha sombra se alongando pelo chão,
com uma tarde de sol
a me escorrer pelo corpo seus dedos quentes,
a soletrar a nômade caligrafia dos pássaros. 

(A contextura das recordações se fragmenta
e não é necessário ser preciso,
basta saber que as coisas aconteceram).

Simultâneos, ele e eu
percebemos o mesmo:
a vida não é nada além
de um flerte e tudo
em que consistimos cabe
numa sentença –
“cada qual busca a Terra Prometida que lhe cabe,
e meu infinito é para dentro”.



20 comentários:

AZ disse...

Eu queria comentar, mas qualquer coisa dita depois de ler essa preciosidade se torna desnecessária. A memória, essa ilha de edição, como já dizia Waly Salomão...

Fabrício César Franco disse...

Ariana,

Proustianamente, acho que a maioria do que se escreve é diretamente oriundo desta ilha (arquipélago, talvez?).

Beijo!

Anônimo disse...

Quanta poesia pode caber em uma pessoa? Depois de ler Bagagem Antiga chego a conclusão que nao há limite para a beleza da alma.
(Diana Coy)

Fabrício César Franco disse...

Querida Diana,

Antes de mais nada, obrigado pela leitura carinhosa. Saber-me lido por você, com seu incentivo para ser mais conhecido (obrigado também pela divulgação do meu blog), isso tudo é muito amável de sua parte.

Beijo grande, com carinho!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

O que escrever??? Elogios e só... Quase sinto o calor, quase vejo a sombra, quase ouço o vinil... Bj Inté...

ps.: tá frio hoje... começou a temporada das iguarias mineiras... mais alimento pras suas lembranças...

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Agradeço, muito, os elogios. Vezenquando a memória grita alto, faz-me recensear fatos antigos, fica-me impossível recusar-lhe o pedido. Esta foi uma dessas vezes...

Abraço, com carinho, e boa temporada de acepipes!

Will Carvalho disse...

Singelo, poético, doce... poema daqueles de se guardar no bolso, pra sempre que der, pegarmos e lermos mais uma vez. Versos com cheirinho de infância. Cheirinho de saudade.

Parabéns, querido!

Anônimo disse...

Fabrício... Nao há pra agradecer, imagine. Faço porque acredito no seu talento. Um Bj,
(Diana Coy)

Fabrício César Franco disse...

Will,

Fiquei muito lisonjeado com seu comentário! Obrigado pela leitura gentil e pelas visitas costumeiras ao Logomaquia. Seja, sempre, bem-vindo!

Abraço, caríssimo!

Fabrício César Franco disse...

D.Coy, my dear,

Por acreditar é que lhe agradeço tanto. Você me dá forças a continuar tentando. Obrigado, sempre e mais!

Beijo, com carinho!

Anônimo disse...

Através de suas palavras, quase pude ver o garoto que foi, a ver o muro da separação de mundos... O poético e o prosaico... Aquela melodia tão marcante, inesquecível... O som dos pássaros e o cheiro da terra na tarde de sol... Quanto infinito lhe cabe por dentro?

Puxa! Foi só um dia de ausência e, quando volto aqui, você me brinda com esta maravilha!!!!!!!

Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Oi, Suzana!

... Remexer o baú das memórias, revirar o que tem lá dentro em busca de algo que faça sentido para todos... De vez em quando é bom, até mesmo para demarcar meus passos, meus caminhos. Que bom que gostou, que houve eco. Os escritos são melhores quando encontram ressonância!

Beijo e obrigado, mais uma vez, pela visita!

Raquel Sales disse...

Poeta,

Se vc permitir outro palpite, esta outra mineirice também combina com seus versos(estou/sou meio bairrista rsrsrsrs).

"Toda vez que bruxa me assombra
o menino me dá a mão
e me fala de coisas bonitas
que não deixarão de existir
amizade, palavra, respeito
caráter, bondade, alegria e amor"

Vivo pedindo socorro à minha criança...

Bj

Anônimo disse...

"BAGAGEM ANTIGA" -( "À la recherche du temps perdu...")-
PROUSTIANAMENTE - como você "disse' em um de seus comentários.
Observando a ilustração postada, concluí que assim deve ter sido sua experiência com os livros (desde a infância). Daí, POETA, a profundidade de seus textos.
Aplaudo seu talento.
Meu abraço,
Andrea Marcondes

Anônimo disse...

Fabrício, que lindo!

Li inúmeras vezes, me provocou diversos sentimentos, entre lembranças e consciência.

Você finalizou brilhantemente. Queria saber de quem é a última frase, pesquisei aqui e não encontrei.

Beijos

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

... O engraçado é que uma das músicas que vinham do vinil era essa. Você acertou, sem querer, na trilha sonora.

Abraço!

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

... Tive bons mestres e ótimos exemplos, nesse contato com os livros (e em outros quesitos, também).

Sempre procuro casar as ilustrações com os textos; são complementares.

Abraço, com carinho!

Fabrício César Franco disse...

Van,

A frase é de um outro poema meu, em inglês, feito há mais de duas décadas. Como foi feito "em heterônimo", preferi deixar com aspas. (Afinal, é quase realmente uma outra pessoa).

Beijos!

Rafaela Figueiredo disse...

sendo criança ou não - talvez, qdo criança, pouco mais - nossos mundos se fazem de dentro para fora.
nesse ponto intrínseco é que teus textos tocam...
gosto muito mesmo!

um beijo

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

De quando em vez, busco-me naquilo que ousei (ser), para ver se me retomo no que posso (ser). Os escritos são essas pegadas (ou seriam camafeus?).

Beijo, obrigado pela visita!

 
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