quarta-feira, 2 de novembro de 2016

&


Quem não vê bem uma palavra,
 não pode ver bem uma alma”.
 (Fernando Pessoa)

Eu acordo numa reentrância da noite, 
minha boca como uma gaveta vazia. 
São três da madrugada 
e a cama é um país estrangeiro, 
mesmo idioma, mas numa inflexão diferente, 
este solavanco para insônia 
um indício. 

Eu me decalco em passos 
casa afora, buscando 
não sei o quê. Sim, 
há sempre os que encontram 
e aqueles, como eu, que nem sabem onde puseram. 

Algo precisa vir ao escrito, 
tatuar a brevidade em coisa eterna, 
criar nexo. 

(Você nem sabe o quanto 
eu gaguejo por dentro). 

E assim procuro 
uma palavra que misture 
peripécia com insurreição, 
rasgo de se erguer o sétimo véu 
além das realidades 
tangíveis da vida diária. 

Nada extenso, só 
a contraparte estética da ocasião, 
algo que informe 
seja em que dialeto for. 

Saltimbanco, 
ele me aparece, 
dublê da eternidade, 
espaço de cronometragem impecável, 
solução aguardada com interesse: 
o & insiste 
nessa promiscuidade, 
nos lugares de encontros de estranhos, 
nenhum conhecimento prévio como condição. 

Um mero sinal 
para provar 
que nenhum encontro 
é inconsequente.

6 comentários:

Anônimo disse...

Caríssimo POETA,
Consegui "absorver" a ansiedade, a insônia, a busca dos signos... e, sobretudo, a excelente conclusão:"...nenhum encontro é inconsequente".
Mas confesso minha incapacidade para "traduzir" o emprego do símbolo :& (ampersand) como título(sic!)
Grande abraço,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

Foi proposital. O & não é popularmente usado para unir (ao menos) dois nomes, em instâncias comerciais? E o poema não fala de encontro? Pois então, o & é o símbolo deste encontro (alguém + alguém, ou, usando o &, alguém & alguém). Ficou claro agora?

Abraço, com "sodade"!

Raquel Sales disse...

Poeta,

Sou muuuuiiito íntima de Morfeu... portanto, insônia me apavora e, em seu poema vejo expressa esse meu pavor. Espero que suas insônias sejam produtivas e rendam liiiiinnndos versos.

Bj
Inté

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Também não lido bem com a insônia. Já me foram produtivas, quando eu ainda morava em Belo Horizonte. Mas eram outros tempos, havia maior vigor e eu não precisava de tanta energia no dia-a-dia. Outra época agora, preciso de cada polegada de ânimo (ensinar é ter vitalidade de triatleta!) e o sono me é muito necessário.

Obrigado pela visita! Volte sempre!

Beijo!

Rafaela Figueiredo disse...

bravíssimo, poeta!
me remeteu a minhas épocas notívagas, em q 'a gaveta da vazia' me proporcionava, ao menos, explorações manuais, tateios no escuro à cata da palavra ou algo mais...

estou quieta.
o fim de ano me torna ainda mais reclusa; o prenúncio da cíclica mesmice geral das coisas para o ano me afeta.

bom natal
bjs

Fabrício César Franco disse...

Rafaela, poetisa,

Como tem passado? Realmente, há muito que não leio algo novo de "sua lavra". Sei que é necessário essa reclusão, esse calar das palavras, para fazer massa crítica para voltar a escrever. Que não demore, portanto. A mesmice geral das coisas pode (e deve!) sucumbir frente à poesia. É o alento que temos.

Beijo e um Natal mais humano e feliz!

 
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