quinta-feira, 10 de março de 2011

Bagatelas


O tempo tem câimbras.
A noite se acomoda
como um corpo num banho,
exalando nuvens e luzes de carro
- tossindo pássaros.

A escuridão, como um abraço,
senta-se comigo e preenche o quarto
com esse estranho cio de silêncios,
onde as coisas são perdidas:
tardes de feriado,
o som de um velho vinil,
fotos desbotadas,
amigos de infância.

A lembrança se esfiapa em todas as direções,
como se eu estivesse guardando o mar
em alguidares de areia.

Tudo é líquido
e sem margens.

E o que a memória traz é um destilado:
construto de espelho e sombra,
um antilume íntimo
eclipsando esse momento sem nome.

Sou causa deste efeito,
tropegamente humano.

À hora em que não há socorro,
quem não consegue arcar
com o quotidiano ríspido
há que se asilar
no passado impregnado na pele.



10 comentários:

Alicia disse...

Das melhores coisas que já li aqui.
E tem, heim!

Fabrício César Franco disse...

Eu fico honrado com seu elogio, Alicia. Obrigado, de verdade. :)

Anônimo disse...

Esse poema retrata fabulosamente muito do que senti e vivenciei nesse feriado.

Um cheiro!

Fabrício César Franco disse...

Ivanessa!

Que bom ter você por aqui. Saudades! Gostaria de uma hora dessas, sem pressa, de ter você por perto, conversar, saber de suas fotos, o que você anda vendo, percebendo, contando... Mas só de ter seu olhar sobre meu texto já é um grande presente. Obrigado!

Beijo!

Leilane Paixão disse...

é verdade... às vezes o passado é o melhor refúgio.. ai q nostalgia!

Fabrício César Franco disse...

Lei,

... Vezenquando, é o único refúgio.

Anônimo disse...

Belíssimo!

Gostei das comparações.Consigo imaginar o esforço surreal de tentar segurar o mar, e a noite que chega tranquila e se acomoda como o corpo no banho!

Adorei!

Indie

Fabrício César Franco disse...

Indie querida,

Que bom ter seus olhos pousados sobre meu texto. E melhor ainda, ter seu comentário, saber o que você achou do que leu.

Um beijo, com carinho!

Anônimo disse...

Caríssimo POETA,
Volto a afirmar: a construção de seu texto (como sempre) me encanta.
"BAGATELAS" me faz lembrar (pelo conteúdo e estilo) uma análise que traduz, exatamente, o que percebi ao lê-lo. Mais ou menos assim: POETA APREENDE, NA ESCRITA, A ESSÊNCIA DE UMA REALIDADE ESCONDIDA NO INCONSCIENTE E RECRIADA PELO ( NOSSO) PENSAMENTO.
Grande abraço,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea, mais que querida:

Eu tento recriar o que vejo, percebo, ou mesmo que - simplesmente? - sinto. Vezes sem conta, palavras me vêm com um ímpeto senhorial, demandantes de serem escritas. Então, apenas escrevo, obedientemente...

Um abraço, com carinho!

 
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