quinta-feira, 7 de junho de 2012

Estratagema


Quando um jato voa
baixo sobre nós,
na cristaleira todos
os vidros cantam.

Sentimentos são
igualmente assim:
um coral, não um solo;
misturados, nunca puros.

O sentimentalista pode
querer negar a tristeza
ou o enfado em sua felicidade,
ou a liberdade que ilumina
até mesmo a pior perda.

O moralista resistirá
à mais vaga conivência.

O sofisticado,
receando ser tachado de ingênuo,
bradará aos quatro ventos
sobre os resquícios da fatuidade
ou da volúpia em qualquer motivo,
como se eles fossem o todo.

Cada um está se vendendo
simplicidade; todos se enfraquecendo
em seu medo da fragilidade.


16 comentários:

Anônimo disse...

Lírico e triste como um beco sem saída. O amor que faz pensar vem dos seus versos, Fabris. Muito bonito.
D. Coy

Fabrício César Franco disse...

D. Coy, my dear,

Tenho pensado bastante a respeito do que você escreveu: a vida não é, senão, "um beco sem saída"?

Beijos e gratíssimo pela visita!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

é verdade... nem os sentidos escapam dessa 'competição' - busca por sobrevivência? - na vida.

lembrou-me - além da ideia do 'humano, demasiado humano' - um dos aforismos de Epicuro, que estive lendo: "um ser ditoso e eterno (a divindade) não conhece penas e nem as transfere para um outro ser. por isso não conhece ira nem benevolência. tais sentimentos existem apenas nos seres fracos'.

[pensando...]

beijos, caro

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

Que bom ter sua leitura, complementar ao que escrevi! Um outro lado, mais fundo e amplo, à minha convergência de ideias, e ainda por cima, com citação tão forte. Eu não poderia pedir uma leitura melhor.

Obrigado, minha cara! Meu beijo!

Anônimo disse...

Quando leio você, constato que POETA é um ser que tem uma antena que capta as dores, amores, beleza e tristeza de "sua era" e de todas as eras.
...................................
O poema me fez analisar os subterfúgios, os 'estratagemas' que vivo ensaiando para parecer menos tola...
Grande abraço, POETA!
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

De todas as pessoas que conheço, você é - sem sombra de dúvida - a menos tola. Quanto ao uso dos estratagemas, isso só prova o quanto menos tola você é (a menos que eles os impeça de realizar o que precisa e quer).

Abraço, com muito carinho!

Anônimo disse...

Poeta,

todo engano é temporário? Assumiremos, um dia, em nossos próprios ecos, o que sentimos de verdade? 

Grande beijo, 

Patricia

Fabrício César Franco disse...

Patricia,

Penso que sim. E que nossos ecos, já hoje, prementes, já denotam o que sentimos 'de verdade'. Só não sabemos ler isso direito, analfabetos funcionais de nossos sentimentos, motivações e quereres.

Beijo e obrigado pela visita!

Nanda disse...

De vez em quando, seus escritos me remetem a outras coisas, você sabe, não? Desta vez, lembrei dessa música; em especial no refrão: http://www.youtube.com/watch?v=3B8Jf6zK0Vg

Fabrício César Franco disse...

Legal isso, Nanda. Primeira vez que um texto meu remete a uma música, pelo menos, da parte de quem me lê.

Gostei muito! Obrigado!

Will Carvalho disse...

Essa mistura de sentimentos sempre me derrubou. É amor, que talvez seja conveniência, que talvez seja só paixão, que virou ódio ou que nunca foi nada!? Na eterna luta por buscar distinção entre elas, como se houvesse um só sentimento pra se descobrir no meio de tantos, sempre me reconheço derrotado.

Abraço!

Raquel Sales disse...

Agradou-me muitíssimo, como de costume. Sim, sentimentos formam um coral. Minha dificuldade, como maestrina, é manter o coral afinado. Dissonâncias podem ser arte pura ou um desastre melodioso de enlouquecer. Que meus ouvidos sejam capazes de detectar a diferença.

Bj
Até a próxima peça para coro...

Anônimo disse...

Se fôssemos sempre o que somos de verdade... Se nos mostrássemos com todas as nossas qualidades e com todos os nossos defeitos, doesse a quem doesse, talvez fôssemos mais felizes e fizéssemos os outros também felizes...
Mas "um jato voa baixo sobre nós"...

Fabrício César Franco disse...

Suzana,

... Você foi a primeira a comentar no cerne do que escrevi: "um jato voa baixo sobre nós"... Seu olhar, certeiro, aponta para a direção à qual eu quis mostrar: há barulho demais para que se veja a verdade de cada um.

Beijo!

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Que os nossos ouvidos, mesmo sem tanto treinamento musical, possa detectar a diferença e perceber sentido.

Abraço!

Fabrício César Franco disse...

Will,

Não existe derrota para o bom embate entre o sentir e entender, assim como não existe distinção clara entre os sentimentos. No dia em que nos apercebermos disso, entenderemos melhor a nós e aos outros.

Abraço, meu caro! Obrigado pela visita.

 
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