terça-feira, 5 de maio de 2015

Gnomas acerca da aflição


Ainda é cedo,
mas o dia já está perdido em tédio,
fadiga e desgosto.
À laia dos conjurados,
inquirimos o inexequível
: algo que dilua a angústia.
Cerceamos letalmente a vida
ao exigir extrair deleites de tudo
o que nos cerca –
                                    a comida deve ser orgástica;
                                    o amor, arrebatador;
                                    a arte, intensa.
Incutimos até num pedaço de pão
a obrigação de nos inundar de prazer.
Mercadejamos nossa felicidade
numa pletora de transações,
produtos de que nunca necessitaremos.

                                    E, entretanto, a alegria não virá
                                    dentro das sacolas de compras.

Os tratados da agonia,
com todo o peso de uma Alexandria queimada,
dizem que a alegria não é um estado de ser.
É uma ação,
é verbo e não um substantivo.
Inexiste involuntariamente de nossos atos.
Fugaz e transitória,
porque nunca se destinou a ser duradoura,
ela é o que nós fazemos.
Alegria é pagã, incoerente,
matizada de sensualidade e melancolia.
Não é o contraponto da aflição.
Esta é mais antiga, clássica, mal intrínseco
de que padecemos, a que nenhum medicamento
pode remediar, pois que não
proveniente de qualquer flagelo físico.
Como a barca do inferno, não poupa ninguém,
somos todos iguais perante a aflição.

Não existe lenitivo milagroso
para nossa consternação.
Ser humano é ser aflito.


16 comentários:

Unknown disse...

No poeta e no poema: suavidade e firmeza, divagação e realismo, quietude e aflição. Assim como na vida.

Fabrício César Franco disse...

Tarci,

Obrigado pela leitura generosa.

Volte semmpre!

Anônimo disse...

Caríssimo POETA,
Com inteligência e arte, você traduz a nossa realidade de "existir no mundo". E, na expressividade do título, me faz lembrar um garoto de nossa família, que aos três anos, já desejava realizar tudo com agilidade e pressa. Quando pedíamos que esperasse ele reiterava:
"estou CONFLITO!"(rs).(A aflição que a vida nos impõe é , realmente, conflitiva...)
....................................
Tento, sempre,viver o que escreveu Ferreira Gullar:
"Como dois e dois são quatro
SEI QUE A VIDA VALE A PENA
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena."
.....................................
(Hoje me excedi no comentário! "Sorry, teacher!")
Grande abraço,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

Conheci tal garoto. A aflição ainda lhe é companheira constante, mas, talvez pela idade (e quiçá, maturidade - nem sempre andam juntas!), já não o incomoda tanto. Parceiros conviventes, vão tangindo o tempo, uma servindo de motivação ao outro.

Não há limites para os comentários!

Abraço, com carinho!

Raquel Sales disse...

Poeta,

“Exigir extrair deleite de tudo” é uma de nossas maiores burrices... Prefiro o conforto das felicidadezinhas diárias: abraços, sorrisos, canções, poemas, cheiros, comidas prediletas, luzes de fim de tarde...

Na visão daquele poeta lusitano...

“Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade.
Sentir como quem olha.
Pensar como quem anda.
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é assim seja...”

bj

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Depois desta citação, pouco posso dizer, senão: obrigado por abrilhantar meus comentários!

Beijo!

Raquel Sales disse...

Poeta,

De nada. Quem sou eu para tanto. Quem abrilhanta é este tal poeta lusitano...
Ele trazer à tona o sabor agridoce da vida, vez em sempre, de forma primorosa...
E ainda remete a outro poeta mineiro (quase pernambucano???) que, com sutileza, envolve os leitores em bela teia de palavras.

Bj

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Muitíssimo obrigado por me parear com gente de tão maior talento. Fico honrado!

Beijo!

Nanda disse...

Que no meio do caminho a gente aprenda a viver os dias de dor e alegria; buscando sempre os pequenos gestos, delicadezas. Talvez essa jornada fique um pouquinho mais fácil. Ando sumida; escrevi no blog sobre isso e postei a promoção de aniversário. Espero sua resposta :)

Fabrício César Franco disse...

Nanda,

Obrigado pela visita,senti mesmo sua ausência. Espero que esteja tudo bem. Pode deixar que visitarei o Idade da Pedra em breve.

Rafaela Figueiredo disse...

Poeta,
q grande reflexão. realmente, há quem ande enchendo sacolas como se preenchesse, assim, seus vazios...
é difícil, no entanto, quando a nossa necessidade [básica] já nos exige um número grande - de horas de trabalho e de valor tributário - apenas para nos 'incluirmos' na dignidade de viver.
cmg, às vzs, pecar pelo excesso torna-se uma forma de revolta...

um beijo

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

Vivemos tempos sombrios, ainda que mascarados de luz (artificial) e cores (maquiadas). O que nos redime, senão o excesso da poesia?

Outro beijo!

Nanda disse...

Apesar de dias difíceis, tento - o quanto posso - manter o humor. Sem isso, a aflição vira desânimo, depressão e desespero. Fabrício, hoje é a festa da caverna, pode pegar seu bolo! :D

Fabrício César Franco disse...

Nanda,

Obrigado por - sempre e mais uma vez - visitar o Logomaquia. Fico muito feliz com sua leitura. Já fui à caverna, peguei meu pedaço de bolo, coloquei meu chapéu de cone.

Um grande abraço!

Anônimo disse...

Ser humano é ser aflito... ansioso, apaixonantes, doente, são, feliz, infeliz, alegre... triste... controverso.
O que mais me admira em seus poema é a sua espantosa lucidez.
Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Suzana,

Você me fez refletir. Lucidez. Acho que tê-la é, muitas vezes, um fardo. Uma marca, cicatriz viva. Não é algo que muitos buscam; ao contrário, é cantada e decantada a dita beleza e felicidade de não possui-la, ainda mais nos tempos em que vivemos. Contudo, se lhe admira eu tê-la, deve ser porque compactua da posse, e sabe o quão importante, para nós, ela é.

Um abraço e obrigado pela visita!

 
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