domingo, 15 de janeiro de 2012

Lepidopterologia



A borboleta tem seu lugar na psicologia 
não por sua fase de crisálida,
seu intrincado mudar de pele,
também notadamente por sua fase de pupa,
temporada de paralisia integral da vontade.

Fascinados, estudamos os sonhos
frustrados da lagarta, que correspondem
tão mal a seu desajeitado corpo preso à terra.
Observamos
como o conflito aparentemente insolúvel
entre aspiração e realidade termina,
afinal, em resignação total, enquanto
a criatura deixa de comer, tece uma mortalha
ao redor de seu corpo, e se prepara para morrer.

Contudo, naquela condição mirrada,
quando a pupa pode ser classificada e posta
em mostruário, algo inesperado, totalmente
imprevisto, ocorre que nos dá o direito
de acreditar no impossível.

Dizem que Psique significa "borboleta" –
cautelosamente ela rasteja de seu casulo,
sua pré-história, desfralda suas asas
e se arroja ao vento.

Eis o que quero
: meu poema que só mortalha caída no chão,
a verdade concreta e póstuma das palavras
ficando para trás, enquanto
o significado finalmente voa para fora da linguagem,
reafirmando sua paixão acesa e aturdida
nos olhos de vendaval 

de quem me lê.

20 comentários:

Pollyana disse...

És um psicólogo das palavras. Lindo!
É inspirador e sempre altamente reflexivo lê-lo. Grata pelo imenso prazer de tê-lo por perto. Bjs

Fabrício César Franco disse...

Polly,

Quem agradece a proximidade sou eu. E conforta-me saber que, aos olhos de uma psicóloga, minhas palavras fazem sentido, além do mero devaneio.

Que suas visitas e comentários sejam uma constante por aqui. Beijo!

Patricia disse...

Estava eu a pensar num retuíte que alguém deu de você no twitter e na sorte que tive ao apertar o follow. :-)

Obrigada pela beleza diária que derramas nesse universo que dizem ser apenas 'frio'! Sabemos, eu, tu, ele e nossos plurais, o quão tonta essa expressão é.

Bom domingo lindo pra ti! :)

Fabrício César Franco disse...

Patrícia,

A sorte foi minha, também, portanto. Pois creio que é de encontros assim, os chamados fortuitos (de fortuna, veja só!) é que, subitamente, descobrimos o quão maior é a vida que se abre diante de nós. Agradeço, sinceramente, o elogio sobre o que escrevo. Como constantemente digo: eu tento. Se eu consigo, vezenquando, é por não parar de tentar.

Beijo!

Nanda disse...

Sou apaixonada por borboletas; elas simbolizam sonho e realidade. Você conseguiu descrever lindamente. Inté;

Fabrício César Franco disse...

Nanda,

Que o sentido do que eu escrevo alce mais voos.

Obrigado pelo comentário! Inté!

Talita Prates disse...

"Dizem que Psique significa "borboleta""? Juro que não sabia...

Um poema também um tanto quanto idílico, amigo.
(Poemas idílicos são, no fundo, anímicos).

É interessante esse paradoxo vida/morte, eros/tânatos que a Natureza (a Vida) propõe para possibilitar o equilíbrio de tudo.

e viva o significado, vivo, para além da palavra, póstuma.

um beijo!

Fabrício César Franco disse...

Poetisa,

Viva essa obstinada busca pelo equilíbrio, em atos e palavras.

Obrigado pela visita!

Anônimo disse...

Reitero o que escrevi sobre seu poema JANELA, lembrando a frase extraída do LEPDOPTEROLOGIA:" o significado voa para fora da linguagem". Por isto lhe disse que ao "ler você", viajo (ao mundo das idéias).E, aqui registro um trecho
( oportuníssimo) de Drummond, poeta das Minas Gerais (seu conterrâneo):
"Mas leio, leio(...) Como te devoro verdes pastagens!/ Ou antes carruagem de fugir de mim /e me trazer de volta à casa a qualquer hora/ num fechar de páginas".
Abraço, com admiração,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Caríssima Andrea,

... Como diz, costumeiramente, uma certa professora de português (também mineira) que você conhece bem: você arrasou! Citar Drummond num comentário foi genial, obrigado!!!

Abraço, com carinho!

Anônimo disse...

Às vezes eu me pergunto o que aconteceria se a borboleta pudesse escolher. Mas hoje, venho apenas trazer o carinho num sopro. Colaborar com o vento que te solta. Voa!
Beijo da Ane.

Anônimo disse...

É verdade... Psique, definida brilhantemente como "alma das sombras", pode muito bem revelar a borboleta que somos todos nós. Não é nada incomum dizer que quando morremos uma borboleta nos carrega para o Além.
Eu penso que a cada dia morremos como uma lagarta para nos transformar, durante a noite, em lindas borboletas.
Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Ane,

... E é por palavras assim que eu ainda espero, confiante, na volta da Walkwoman. Estamos carentes dessa pungência.

Beijo, com carinho.

Fabrício César Franco disse...

Su,

Nós, que escrevemos, temos como missão, acredito, fazer alçar o voo cotidiano das palavras. Transformar "o tédio em poesia", como dizia Cazuza.

Obrigado pela visita!

Anônimo disse...

Oi, Fa! Sou eu, Leilane! Vamos ver se agora vai! hehehe

Refletindo sobre o texto, me deparei com algo que nunca tinha pensado antes... Eu sei da relação simbólica da psicologia com as borboletas, especialmente no que diz respeito às modalidades de atendimento clínico, de cuidado ao outro. Costumamos dizer que o objetivo da psicoterapia ou do plantão psicológico e dos demais modos de acolhimento é propiciar as condições de possibilidade para que o outro se conquiste enquanto outro, conquiste a si mesmo. Ou seja, propiciar um processo de singularização.
Lembro-me que vc foi a primeira pessoa que me trouxe a ideia de crisálida para representar, em analogia, a crise que costumamos experienciar quando ao deixarmos a velha margem, ainda nos encontramos no meio do rio, sem vistas da próxima margem. E eu nunca tinha parado pra pensar que a sensação da lagarta é um morrer, tal qual nos é os momentos de mergulho na crise. Já passei por tantas crises, e bem sei como é... Alcançar a outra margem quando estamos no meio do rio parece impossível e a vontade que dá é de retornar para a antiga margem. Mas, aí, recusamos a trans-formação e isso não é possível (nunca soube de uma lagarta que pudesse impedir o processo do casulo ou sair dele ainda lagarta).
Eu gostei do seu texto especialmente porque vc tocou num tema que me toca muito, que me toca tanto que gostaria de tatuá-lo literalmente... Porque é assim mesmo que sinto essa profissão linda que escolhi e é assim que me sinto constantemente em minha vida.

E que continuemos assim, constantemente vendavais e borboletas metamorfoseantes.

Fabrício César Franco disse...

Leilane,

Adorei seu comentário, pois suscitou também ideias para futuros posts. Além, claro, de saber que fui útil no seu processo de crisálida. Que venham outras margens, outros voos!

Obrigado, de coração, pela visita.

Anne Barreto disse...

Suas palavras sempre me deixam sem palavras. Incrível isso!
Pra variar só um pouquinho, adorei o texto. Adoro borboletas, psicologia, palavras, poemas, então, deu certinho!

Aproveito para parabenizar pelo blog! Há uns dias não passo por aqui! Adorei a cara nova!

Grande beijo amigo! Saudades...

Fabrício César Franco disse...

Anne,

Gosto muito de suas visitas e comentários por aqui. Melhor ainda é saber que 'toquei nos pontos nevrálgicos', seus temas de coração. Obrigado pelo elogio à nova 'cara' do Logomaquia, também gostei muito de como ficou.

Beijo, com carinho, querida!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

assim como vc, parei no escrito com que mais me identifiquei!
deixo, desde já, a gratidão honrada pela visita e leituras! [e suponho a indicação, pela lista dos blogs que vc segue. :)]

*amo lepidópteros!

já assistiu ao "o escafandro e a borboleta"? seu texto remeteu-me à ideia, principalmente na passagem: 'o significado [...] voa para fora da linguagem'.
as palavras [aqui] são asas de borboleta - leves, livres...
e belas!

voltarei tb! certamente.

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

Quando comentei em seu blog, não esperava sua visita, assim, tão cedo. Que honra a minha! Obrigado, primeiramente, por vir tão prontamente. Que meu canto seja do seu agrado...

Quanto ao filme, não o vi, mas li excertos do livro e soube da vida de Bauby. Incomodei-me muito com a tal síndrome de 'locked-in'...

E, sim, acho que já ficou claro de onde veio a indicação ao seu blog. A Poetisa tem um olho clínico para coisas boas.

Abraço!

 
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