quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Festim


Antes que se faça cinza a quarta-feira;
que o batuque se recolha ao silêncio,
transitório e quaresmal;
que o colorido das fantasias se tolde
no fosco ecumênico de todo dia,
quiçá essa inquietação acabe e me dê
a sensação de haurir o que é preciso:
a semana, o mês, o ano prossegue estritamente,
e o cansaço já me veste 
em seus trajes frouxos.

Forasteiro desde sempre a todo esse folguedo,
vezes sem conta eu me (im)pus a máscara foliona:
mas o molejo é faltante, a malemolência falha,
e logo se percebe que tenho mais raízes que pés.
A gandaia se me faz pelos olhos de espectador,
o espocar imponderado dos tambores
surgindo como um susto à solta no peito,
meu admirar-me acriançado diante da veemência
corpórea dos passistas que se doam à polirritmia.
E Momo, esse se ri de minhas arlequinadas.


28 comentários:

AZ disse...

Preciso!

Fabrício César Franco disse...

Ariana,

O adjetivo, o verbo ou necessita do festim?

Abraço, pierrete!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

Concordo com suas considerações, faço apenas uma ressalva:
"e no entanto é preciso cantar
é preciso cantar e alegrar a cidade"...
(Vinícius de Morais - Marcha da 4a feira de Cinzas)

Boa quaresma, Arlequim...

Até a próxima

Anônimo disse...

Quando Arlequins e Colombinas vão para casa, depois do Carnaval, durante a quarta feira de cinzas, qual não é o espanto que neles se anuncia: tiram as máscaras da folia, despem-se das fantasias e voltam às suas vidas comuns, de volta às máscaras do dia a dia...

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Cantar eu sempre tento, ainda que fora do tom, debaixo do chuveiro (onde a acústica é melhor e não sou tolhido pela auto-crítica ferocíssima).

Boa quaresma para você também. Que o jejum seja de tristezas!

Inté!

AZ disse...

O adjetivo, Fabricio! ;)

A propósito, visite meu blog novo: http://www.gazetamaringa.com.br/blog/verborragia/

Besitos!

Fabrício César Franco disse...

Su,

No convívio diário, as máscaras e fantasias já me são conhecidas e a coreografia, mais que ensaiada. Não menos complicado de lidar, mas de algum modo mais bem-sucedido da minha parte, exigindo menos de mim (ou seria eu mais hábil nisso?).

Espantoso é ainda eu (nós) me (nos) estranhar com isso.

Beijo!

Fabrício César Franco disse...

Ariana,

Já coloquei o blog na lista dos favoritos. Que bom que finalmente poderei ler você!

Beijo!

Anônimo disse...

Eu achei lindo, perfeito! Digno de ser publicado mais amplamente! A-d-o-r-e-i.


Lei.

Fabrício César Franco disse...

Obrigado, Lei! Mas como seria isso, mais amplamente?

Beijo!

Nanda disse...

Posso entrar nesse bloco?rs - Eu até gosto de observar as fantasias criativas; ouvir um bom frevo; mas de preferência, longe do auê. No meio da multidão, no Galo ou nas ladeiras de Olinda; nem me pagando...rs

Anônimo disse...

Fabrício,sinto a cada reinício de minha rotina ,uma miscêlania emocional que oscila entre o bom, muito bom e quase ruim, entre o certo e o meio errado, entre o muito e os poucos da vida que entendi nas linhas da sua emoção sempre tão intensa e tão delicada ao mesmo tempo. Um dia te escrevi que devia usar mais do lugar comum dos sentimentos e menos das linhas da sua rara inteligência. Vejo que somente um homem sabiamente generoso,sensível e dono de tanta intelectualidade é capaz de fazer uso de seus conhecimentos e letras e falar tão puramente com o coração pra todo mundo de modo que não reste dúvidas do que quis dizer. Hoje, depois de vivido por mim um carnaval tão maravilhoso e delicioso, tirar a máscara e a fantasia para encarar o baile da vida real e cotidiana, dói! Te ler, ameniza meu choque. Lindo!!

Fabrício César Franco disse...

Caríssima ânonima,

Gostaria de poder agradecer mais diretamente a gentileza de seu comentário, se eu pudesse saber de quem se trata. Você se esqueceu de (ou preferiu não) se identificar. De todo modo, muitíssimo obrigado pelas palavras gentis. A emoção sempre existe, ainda que contida. O solo das emoções nem sempre precisa do transbordamento para se fazer fértil. Uma chuvinha breve, um aspergir de leve, muitas vezes, traz melhores benefícios...

Abraço (e aguardo sua identificação, por favor)!

Fabrício César Franco disse...

Nanda,

Eu não sou avesso à multidão, apenas não me enquadro na fantasia. Como água e óleo, não nos misturamos, por mais que tente. Não me faltou boa-vontade: sou alienígena a isso, tão somente.

Abraço!

Anônimo disse...

No Carnaval, "A gandaia se me faz pelos olhos de espectador..." E, sempre que tentei participar, percebi que "tenho mais raízes que pés'.( Identifico-me com você).
Não censuro os "carnavalescos"/sic!
Mas confesso que prefiro ouvir Bach (Concerto em F maior/Largo- 1969).
(E, como você escreveu:"...BACH DIZENDO O QUE PRECISO, SEM PALAVRAS")
Meu abraço e(reiteradamente), minha admiração.
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

Meu tom não foi de censura, apenas alheamento. Não pertenço. E ter a clara consciência disso foi, e é, libertador.

Abraço, com carinho!

Loridane Melchior disse...

Arlequim longe do mundo das serpentinas, também não gosto de Carnaval.

Mas, confesso que acho intrigante a parte das fantasias.

Enfim, minha quarta não foi tão cinza. Parte dela cheia de sorrisos por sua causa.

E o texto? Disse, repito e repito: sempre um prazer ler você.

Fabrício César Franco disse...

Lory,

Você está mais para colombina do que para arlequina. Gosto das fantasias também, mas não sei sambar, então elas entram ao som de outra trilha sonora. Quanto aos sorrisos, é serventia da casa, sempre! Nasci no dia do palhaço (não me canso de dizer isso).

Beijo e meu muito obrigado pela visita!

Simone de Magalhães disse...

Fabrício,
confesso que meus pés já se renderam muito mais a todo esse "folguedo"... e hoje, um tanto mais cansados e aquietados, assistem minha alma se emocionar com um poema tão belo!!!
Feliz... por poder te ler...
Simone

Fabrício César Franco disse...

Simone,

Acho que faço parte dos 'gauches' mineiros, aqueles que, drummondianamente, não se acertam com o ritmo, diferentemente de você.

Obrigado pela visita ao Logomaquia e pelo gentilíssimo comentário. Volte sempre!

Anônimo disse...

Carnaval aqui é em julho/agosto e feito pela comunidade! Bom que é coisa pequena, nem se percebe! Dá pra manter a rotina já que nem feriado é. :)

Faço, com tua permissão, das tuas as minhas palavras! Mas o que eu digo? Jamais faria isso tão bem como você faz!

Fica chato dizer toda vez que adoro, amo estar aqui?

Patrícia.

Fabrício César Franco disse...

Patrícia,

Eu fico é muito encantado quando você diz isso, ainda que seja toda vez. Isso me anima, obrigado! Agradeço, também, as palavras elogiosas...

Que o carnaval nipo-brasileiro aí seja, para você, ao menos, divertido.

Abraço!!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

um verdadeiro percurso cadenciado se dá na leitura desses versos...
tão bem pontuados.
e, numa identificação plena, compartilho da arritmia [nem tão, pois] idiossincrática destes dias festivos.

mas, enfim, o ano começa. [né?!]

beijo

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

A cadência se faz quase num ritmo de procissão quaresmal, não acha? rs rs rs

Para mim, o ano já começou há tempos. Acho que só o calendário popular não notou...

Beijo!

Anônimo disse...

Eu adoro as suas arlequinadas, Fabrício.

Todas as que vejo aqui. Se bem que as pierrozadas também dão seus passinhos e de colombinadas vivo eu a entreter.

Beijos, sem a máscara!

Fabrício César Franco disse...

Van,

Obrigado, caríssima. Mas as arlequinadas são trapalhadas por demais: não há como adorá-las.

Beijo, com carinho!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

Se me permite mais um palpite... Às vezes não sei o que é mais aprazível: ler os seus textos (sempre inspiradores) ou os comentários dos seus leitores.

São pitadas de sabor no meu dia atarefado(por vezes insípido, inodoro e incolor)...

Poeta e leitores, até mais...

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Eis a razão de eu sempre pedir, querer comentários. Porque é nesse espaço que podemos trocar ideias, re-interpretar o escrito, colaborar com a poesia; pois acredito que a poesia é, sempre, uma criação conjunta.

Venha sempre, comente! Assim, construímos sentido!

 
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