segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Macambúzio

“Até no riso o coração sente dor
e o fim da alegria é tristeza”
(Provérbios 14:13).

O problema é o de sempre,
esse acabrunhamento que se dá.
Minha melancolia tem premissas tautológicas.
Parece que o firmamento vai desabar
sobre a larga hesitação de meus tropeços.

Cada respiração ganha o peso de uma bigorna.


Eu busco palavras sem sucesso 

no escaninho da inspiração,
algo que purgue esse pesar, que pacifique
essas colisões de frentes emocionais em meu peito.

Mesmo na ledice ligeira de um sorriso,
o contentamento vem embrulhado
numa tristeza de papel fino.

Com uma precisão prussiana,
o desalento entra (desconvidado)
por reentrâncias, por frinchas de biombo
e envilece os dias.

Eu me faço de insurgente:
se eu pudesse ao menos
acertar meu horizonte íntimo,
alterar as rotas, mudar os ventos, rasurar os planos...

Mas o destino é aritmético.

Refaz caminhos, corrige hereditários,
escopo de forças rascunhados
na entrelinha da mão.

Quem nasceu para fado nunca será samba.
 

10 comentários:

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

Franco,
Minhas leituras andam silenciosas por aqui, pq é ruim a tela de celular.. Li seu último texto, minicrônica, outro dia, mas não consegui comentar. Hj de nv tentando, deparo-me com esta pungente poesia. Parabéns e entendo esse peso q se ameniza na folha. Lindo texto! O verso último foi mais do q sensacional!
Um bjo

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

Fico contente em ter sua visita. Já estava sentindo falta...

Obrigado pelas palavras elogiosas. Bom saber que não estou sozinho nesse sentir, uma vez que ao meu redor parece se celebrar uma constante festa (ou pelo menos, não se nota ninguém dividindo essa melancolia).

Beijo, com carinho!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

Melancolia, solidão, desânimo.. Mesmo um samba está carregado deles... Afinal “pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza” (Vinícius – Samba da Benção). E a gente elabora o enredo e coloca o bloco na rua assim mesmo...

Que as canções da semana sejam mais frevo que samba-canção...

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

O "poetinha" acertou em cheio no Samba da Bênção, contudo, a meu favor, quero dizer que aquela alegria contagiante e gratuita do bloco na rua anda me faltando. O frevo é um passo muito agitado para um mineiro que não tem pés, mas raízes...

Abraço!

Anônimo disse...

Fabrício

Alegrias você encontrará na razão de sua vida. Se procurar com afinco, verá que são maiores do que as tristezas que insistem em nos assolar.
Estou gostando muito desta sua faze de rimas... rs
Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Suzana,

Sei que, assim como a alegria, a tristeza é temporária, como tudo nessa vida. O que me resta, portanto, é esperar passar a tormenta.

Obrigado pela visita!

Beijo!

Anônimo disse...

Oi Fabricio

Como todo provérbio, este que você cita traz uma imensa verdade, tudo é composto de uma porção de dor, até o prazer máximo, um clímax por exemplo, dói.

Parece que a dor e a alegria ou o prazer são feitos da mesma matéria, embora sejam a verso e o anverso dela.

Adorei a sua conclusão, estou aqui a pensar qual é o meu ritmo, fado não é, mas samba também não, valsa...Talvez?

Beijo grande

Anônimo disse...

Caríssimo POETA,
Admiro ( como já lhe disse) o trabalho rigoroso da linguagem poética que seus poemas manifestam. Imagino seu exercício autocrítico! Você me lembra João Cabral de Melo Neto: "As palavras têm peso e concreção; são palavras-coisas, que têm a consistência e a resistência das pedras".
.................................
E, quanto a estar MACAMBÚZIO, diante das dificuldades do existir... ( o que sempre ocorre a nós humanos...)/ JÁ QUE NASCI PARA FADO / prefiro ,- vezenquando (como diz você) -relaxar... imitar BANDEIRA, no poema "Não sei dançar": "...A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca! Eu tomo ALEGRIA!"
Grande abraço,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Van,

Que bom ter sua visita, seu comentário por aqui! Sim, tudo que vivemos parece ser feito da mesma matéria, conosco vivendo os seus diferentes lados, não é?

Quanto ao seu ritmo, que bom que valseia; sinal de uma possível ancestralidade vienense?

Beijo!

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

Vindo de você, saber que "o ganzá da jazz-band batuca" e há ressonância, fico de uma felicidade sem tamanho! Durante anos, ficou-me a sombra e o eco daqueles versos tão doídos ("não quero mais, não quero mais...") que tristeza nenhuma que eu tenha se equipara. Sua alegria me (co)move!

Quanto ao exercício poético, é mais um produto de anos a fio, tal como uma ostra gestando a pérola, só que aqui a joia não tem esse valor todo, apenas uma forma de expurgar a melancolia que ficou pelos cantos. Acho que o consegui.

Abraço, com carinho imenso!

 
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