domingo, 6 de outubro de 2013

Na garganta da serpente


Como uma sombra no pulmão
escurecendo as bordas
da respiração, granulação
no olho, areia
no sapato talvez. Esteve
sempre lá, nunca
completamente
cingida pela consciência.

Algo escuro
no canto das horas,
um cálculo, um dogma,
um fato consumado:
a certeza
de haver espaços sem nomes
entre os dias
enquanto se desfraldam,
que nos levam
cada vez mais
perto do Hades,
onde nem a linguagem alcança.

Não é
angústia, nem tristeza,
sequer ansiedade.
É aquém,
apoucado e quase menor,
uma discórdia acanhada
entre esse sol burocrático
de cartão postal
e a insolação que cresta
por dentro.

A singela discrepância
entre o genuíno sorriso
e o esgar na fotografia.

É o saber-nos
engolidos, sem pressa,
pela peçonha da inconformidade.

Perceba,
tardiamente,
que a toxina
é um líquido paciente.

Bem-vindo,

você também está vivo
e sente.


16 comentários:

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

Porra!
Não pude evitar...

Franco,
Teus versos (até na magistralidade da divisão de cada um deles e das estrofes, fornecendo um ritmo e um 'quê' - um Q pq não sei como dizer - a mais) sempre (me) traduzindo o indizível.
Assim sendo: peçonha da inconformidade.

Bjo grande, caríssimo e admirável poeta.

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

... Que o veneno seja, como escreveu Cazuza, "anti-monotonia" ao menos.

Beijo grande, obrigado pelo comentário. Gosto de saber sua opinião!

Anônimo disse...

Ainda bem que estou viva e sinto... Percebo isso quando leio o que você escreve com tanta sensibilidade.
Estava com saudades.
Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Oi, Su!

Quanto tempo! Pensei que houvesse desistido de passar por estas plagas. Obrigado pelo comentário, sempre bom saber-me lido por você.

Beijo!

Anônimo disse...

Caríssimo POETA:
HADES(AI!!!)
..................................
Sempre me identifico com o que você expressa.(Mas não tenho a capacidade para fazê-lo, como você o faz. Por isto o admiro tanto!)
Grande abraço,
Andrea Marcondes

Anônimo disse...

É sempre um prazer vir aqui, caro amigo. E o farei sempre. Desculpe-me se às vezes me ausento...
Bjuss

Fabrício César Franco disse...

Andrea, caríssima!

Acho que sua forma de se expressar coalesceu em mim, com convém.

Abraço, com carinho!

Fabrício César Franco disse...

Su,

Venha sempre quando puder. A 'porta' está sempre aberta aos amigos!

Abraço!

Will Carvalho disse...

Li ontem, mas comento agora. Parece repetitivo (e é) dizer isso, mas seus versos são dos que me fazem necessitar de tempo. Deixa essa logomaquia acontecer dentro de mim por um tempo. Dessa vez, li, re-li, refleti... e só pensei uma coisa. Vida! Esses versos, pra mim, são sobre vida. Não sobre um momento, não sobre o pranto terrível de determinada noite, não sobre a paixão enebriante, sobre vida. Sobre o insistir, o não aceitar, a consciência quase inconsciente de que estamos vivos e queremos/devemos viver.

Fabrício César Franco disse...

Will,

Obrigado pela visita, pelo comentário. Gosto de sua perspectiva sobre meu texto. E acrescento que, se é sobre vida o poema, é também pela inquietude que ela nos transmite, a todo momento, não nos deixando descansar segundo sequer.

Abraço!

Nanda disse...

Voltando! Sou mais otimista; enquanto lia fui na direção contrária e lembrei de Gonzaguinha: 'O que é, o que é?'- E mesmo sem saber o que nos espera, 'fico com a pureza da resposta das crianças...' - Inté!

Fabrício César Franco disse...

Nanda,

Por isso que quis seu comentário por aqui, para desfraldar novas vertentes, novas perspectivas.

Obrigado pela insistência!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

Muito bom, mas angustiante. Quase Clarice. “É de noite e estou viva. Estar viva esta me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro. " (Clarice Lispector)

Ps.: Fragmento de um de meus livros prediletos.

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

... De novo, você me comparando com gente tão mais talentosa e importante do que eu. Que um pouco dessa 'sombra' projetada sobre mim conforme meus textos à presença e potência dos originais.

Obrigado!

Bruna Alencar disse...

Pego-me pensando a mesma coisa que uma das pessoas que já comentaram: "porra".
Impressionante como tu te expressas pelos becos da casualidade.
Vejo a beleza multifacetada dos teus versos. Quisera eu, um dia, conseguir ter sua leveza e sua beleza.

Fabrício César Franco disse...

Bruna,

Leveza? Não sei se nesse poema essa noção sequer foi pleiteada. Talvez, as palavras tenham dado um rumo diverso (as conotações!), mas foi o peso e o amargor as forças geratrizes do escrito. Que bom que, para você, o resultado tenha vindo mais palatável.

Beijo!

 
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