sábado, 19 de maio de 2012

Dos olhos secos


Dentro de mim ecoam tempestades

            de lágrimas inderramadas,
colecionadas ao longo dos anos
em letífero fluxo.

Quantas lágrimas são racionadas 
                        para cada um de nós?

Há uma quota que devemos respeitar?
Que cataclisma resultaria caso meu pranto
arrebentasse nesse instante,

feito uma represa que rompesse suas comportas

e tragasse a mim, na maré revolta
de tudo aquilo por que eu já quis chorar,
nada obstando não consegui,
olhos que só sabem carpir oceanos ressecados?

18 comentários:

Nanda disse...

Belo como escrito, mas na prática, talvez não seja a melhor forma de lidar com a dor. Beijos! =)

Leilane Paixão disse...

"... O senhor teve muitas e grandes tristezas, que passaram, e me diz que até a sua passagem foi difícil e desenganadora. Mas, por favor, reflita: essas grandes tristezas não terão passado, antes, pelo âmago de seu ser? Muita coisa não terá mudado dentro de si? Algum recanto de seu ser não se terá modificado enquanto estava triste? (...) Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se nos tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque, num relance, todo o sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer."

Rilke, Cartas a um jovem poeta.

Fabrício César Franco disse...

E quando é a nossa própria condição de existir é essa, Nanda? Quando nós somos - tão somente - assim e e isso é o que nos define, tão intrinsicamente?

Fabrício César Franco disse...

Lei,

Primeiramente, obrigado pelo comentário - e citando Rilke, quanto mais! Segundo, não há como discordar do que está escrito, mas acrescento: e se a tristeza é tão sentida quanto os demais, que vertem cascatas dos olhos, apenas havendo aquele impedimento - inerente, inexplicável - de não conseguir trazer aos olhos as lágrimas? É menos tristeza?

Beijo!

Anônimo disse...

Lágrimas contidas na represa dos sentimentos
São lágrimas desperdiçadas em muito sofrimento.
A angústia que sinto em suas palavras
Já senti em mim mesma, nem sempre acalmada.
Espero que tudo o que lhe aflige se resolva
Que as lágrimas secas, desperdiçadas,enfim se tornem esperança alcançada.
Bjusss

Fabrício César Franco disse...

Suzana,

Tal como as marés, minhas águas vêm e vão. Contudo, o que me aparta de muita gente é que, enquanto cachoeiras são vertidas por motivos às vezes mínimos, em mim fica tudo represado. Acho que fui feito açude, retendo o fluxo, guardando fluxos bons ou maus. Não é tristeza, tão somente um transbordamento que se faz - há tanto - necessário.

Abraço!

AZ disse...

Vivo em chuvas finas e constantes. Não há vida possível sem as águas que atravessam os ciclos da lua...

Beijo, poeta querido!

Fabrício César Franco disse...

Ariana,

Eu, então, sou desértico, um Atacama nos olhos.

Beijo!

Raquel Sales disse...

Fabrício,

“Que cataclisma resultaria caso meu pranto arrebentasse nesse instante”? Não sei responder. Só estou certa de uma coisa: a contenção do pranto eutrofiza e assoreia a alma, por fim extingue o gesto e nos torna terreno inóspito (em se plantando, nada dá)... Prefiro o turbilhão das lágrimas autênticas à placidez acalmada à custas de muito sapo engolido.

Bjim

Fabrício César Franco disse...

Raquel,

Sei de todos os achaques que se me acometem, caso as águas continuem represadas. Mas não depende de mim, conscientemente, é algo além, fora do meu controle. Acho que, talvez, seja orgânico ou genético: assim fui feito, assim sou. Não há batráquios engolidos, contudo. Disso, ao menos, estou livre...

Abraço!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

lindo...
é mesmo uma incógnita deduzir a quantidade de marés que nos assola.
[pior [?] para nós que as sentimos encher sem transbordar?]
se houvesse uma quota, tb não ajudaria a controlar... :|

beijo, caro

Fabrício César Franco disse...

Rafaela,

... Quanto de nós é fundo e dique? Por vezes, acho que só somos isso: esse espaço imenso dentro, à espera de mais torrentes.

Beijo, minha cara!

Will Carvalho disse...

Acho que a medida é a nossa vontade. Necessidade. Nossa alma precisa ser lavada, vez ou outra. Sobretudo almas de artistas, daqueles que sentem tão profundamente tudo. O Mundo as vezes é aquele moleque travesso da escola, que nos dá beliscões, que nos assombra. Existe a hora de enfrentá-lo, de denunciá-lo, de chora.

Lembrei-me de uma canção que adoro que diz "Pra sustentar meu riso, quanto choro é preciso?"

Abraços!!

Fabrício César Franco disse...

Pois bem, Will, quanto choro é preciso (até mesmo naquele sentido de exato, proporcional)?

Abraço!

Anônimo disse...

Sua experiência, jovem POETA, eu a tenho vivido há muitos... longos anos...
Lágrimas e dores sufocadas...
Mas o tempo e a VIDA me ensinaram: é preciso selecionar o essencial. É preciso manter o ânimo e a tranquilidade.É preciso expressar a inquietude - como você o faz- através da palavra. E, então, realizar o "carpe diem"(aproveita o dia!). Adquirindo, assim, a força para vivenciar o futuro.
Meu abraço,
Andrea Marcondes

Fabrício César Franco disse...

Andrea,

Mas não são dores, as minhas, sufocadas. Ao contrário, são bastante à mostra, soltas na amplidão do meu peito, na verve da pele, no que vivo e falo. As lágrimas, no entanto, não me fluem: o pranto é represado além da minha vontade, não é vertido nem quando é de bom-tom. Genética, a culpada?

Abraço, com carinho!

Anônimo disse...

Tua poesia, tuas lágrimas.

Beijo, querido!

Patricia.

Fabrício César Franco disse...

E também minhas gargalhadas, Patrícia. Todo o espectro emocional, dentro dessas margens.

Beijo!

 
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