sexta-feira, 8 de maio de 2020

Involução do espécime


)
do Diário do Confinamento
(

Você, 
que transforma a angústia
em saudável perspicácia e defende tudo
o que compreende em palavras:
   sua condenação virá pela língua,
   na erosão lenta, mas indiscutível
   que dimana de cada decepção.

Você,
que consome informações
em crescente desgosto, sem ao menos
ter a percepção de como tempo devora
só os desamparados e se dá a si mesmo
seus próprios mandamentos –
[não sou -fóbico ou -ista 
(insira aqui seu prefixo), mas...]:
   atente para o momento em que não fizer sentido
   a natureza das coisas crispadas em seu íntimo.

Não é preciso se apressar, nem jogar fora
a verdade mais persistente:
“amai-vos uns aos outros”,
“somos todos iguais perante a Lei”.
Só se lembre bem de como era a vida antes:
obscurantismo, ignorância, medo
da escuridão como devorador de gentes,
o trovão que era reprimenda dos deuses,
um panteão inteiro a idolatrar em sacrifício.

Diga-me então como você é capaz
de chegar a este ponto, para trancar
as portas da história e não se reconhecer
no seu povo – os outros! – e como desaprendeu as lições.

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